A CARREIRA DE JUÇARA MARÇAL

Conheça a carreira da cantora Juçara Marçal

 

TEXTO: Christiane Gomes | FOTO: Fernando Eduardo/Crewactive | Adaptação web: David Pereira

A cantora e compositora Juçara Marçal | FOTO: Fernando Eduardo/Crewactive

A cantora e compositora Juçara Marçal | FOTO: Fernando Eduardo/Crewactive

É do movimento coordenado do pulmão, das costelas e do diafragma que ela tira sua inspiração. Mas não seria este o processo de respirar? Pois é, cantar, para Juçara Marçal é algo natural, que simplesmente flui, espontaneamente. É dessa maneira que ela consegue, com sua voz, ir do tom mais suave e delicado até outro mais forte e pungente. Nascida na Baixada Fluminense, em Duque de Caxias, em 1962, aos 11 anos mudou-se com sua família para São Caetano do Sul (região do ABC paulista) e depois para a cidade de São Sebastião, litoral norte de São Paulo, onde viveu sua adolescência em meio às ondas do mar e à areia da praia, como uma boa caiçara. Desde cedo gostava de cantar, mas trabalhar com arte e sobreviver da música era algo distante e impossível para a menina de família simples. O melhor caminho para melhorar de vida, como para todos que têm essa origem, é o estudo. Aos 17 anos, rumou para a capital paulista para fazer cursinho e, mais tarde, a universidade.

Começou com um surpreendente curso de matemática que, obviamente, não vingou: o deixou ainda no primeiro ano. Percebeu que sua praia era a área de humanas e decidiu cursar Letras e Jornalismo. “Tudo na Universidade de São Paulo, porque essa era a condição sine qua non pra eu fazer faculdade. Pagar estava totalmente fora de alcance”, conta Juçara. Mas a música estava ali, como um desejo que persistia dentro dela.

Na USP, começou a cantar no Coral do Meio Dia, que se desligou da universidade e ganhou vida própria fora do campus. Como consequência do fato, entrou na Companhia Coral, projeto da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Foi quando ganhou seu primeiro pagamento no ofício de cantante. Como fruto deste trabalho, surgiu o convite para o espetáculo infanto-juvenil Guaiú: a ópera das formigas, onde conheceu Mazé, Nenê e Ilka Cintra e Mônica Thiele. Juntas, formaram o Vésper Vocal, em 1992, grupo que interpreta canções da música brasileira no formato capela: arranjos feitos somente para vozes, sem acompanhamento instrumental.Mas enquanto a música, cada vez mais, ia ganhando espaço em sua vida, Juçara seguia com seu “disfarce”. Trabalhou como jornalista na Rádio USP e na TV Direta, fez um mestrado e começou a lecionar na universidade. Mas não tinha jeito. Estava escrito: a música queria mais.

A carreira de Juçara Marçal: E assim Juçara Marçal seguia, conciliando a vida de artista de professora e jornalista. Mas um encontro (entre os vários musicais que marcariam para sempre sua carreira) foi um divisor de águas em sua história. Em 1998, Juçara se integrou ao Grupo A Barca, formado por nove artistas, entre cantores e músicos que, aos moldes da expedição de Mário de Andrade nos anos de 1940, viajou o Brasil para pesquisar a cultura popular brasileira e suas manifestações, produzindo discos, documentários e shows.

Percorreram o país de norte a sul, registrando a riqueza da arte popular brasileira, que como sabemos, é marcada pelas distintas nuances da influência afro. “Até o trabalho com o Vésper Vocal, e algumas experiências de shows na década de 90, minha forma de ver o fazer musical estava muito atrelada ao repertório de clássicos e compositores consagrados. A Barca abriu meus ouvidos e todos os meus sentidos, para um fazer musical e um repertório, que até então eu desconhecia ou conhecia muito pouco. Foi um encantamento absoluto que definiu a minha maneira de fazer e pensar música para sempre.”

Em 2004, um novo e providencial encontro aconteceu, quando ela conheceu o músico, artista plástico e compositor, Kiko Dinucci. Na época, Juçara estava pensando em fazer um show solo, um projeto próprio, mas sem muitas pretensões. “O que poderia ser ali o momento da intérprete estruturar seu trabalho solo (o tal do trabalho solo!) foi se modificando à medida que a gente se encontrava para ensaiar. O repertório foi se modificando com as intervenções do Kiko e se ampliando também, com suas músicas e sugestões. Seria uma traição com o que rolou de afinidade artística entre a gente, o disco virar um disco meu. Não faria o menor sentido”, afirma Juçara com sabedoria. E assim nasceu Padê, disco lançado em 2007 com influências africanas e do candomblé. A parceria com Dinucci segue firme e forte: já estão no terceiro disco, gravados juntos, entre muitos shows produzidos coletivamente, como o que homenageou Itamar Assumpção (lançamento da coletânea Caixa Preta) e Plínio Marcos (releitura do disco Em Prosa e Samba, nas Quebradas do Mundaréu, que o escritor gravou em 1974 com os bambas do samba paulista).

Entre Kiko Dinucci (à esquerda) e Thiago França: juntos formam o trio Metá Metá | FOTO: Fernando Eduardo/Crewactive

Entre Kiko Dinucci (à esquerda) e Thiago França: juntos formam o trio Metá Metá | FOTO: Fernando Eduardo/Crewactive

O trio Metá Metá, que além de Juçara e Kiko conta com o saxofonista Thiago França, lançou no final de 2012 o disco Metal Metal, no qual são exploradas as sonoridades africanas e afro-brasileiras de uma forma mais rock’n’roll e pesada (daí a brincadeira com o nome do disco). Antes disso, em 2011, o trio já havia lançado o disco homônimo Metá Metá.
A compositora Juçara Marçal: Ela conta que a primeira canção que fez a letra foi parceria com o músico Chico Saraiva. ”Estávamos envolvidos e encantados com as cantorias das Caixeiras do Divino do Maranhão, então ele me mostrou uma melodia para qual ainda não tinha achado o parceiro, e eu vi que seria um exercício interessante, colocar uma letra, pensando justamente em homenagear essas caixeiras lindas.” Recentemente, uma nova parceria com a Mazé Cintra (que também é sua companheira de voz no Vesper Vocal), que aconteceu da mesma forma: pelo encanto da melodia. “O tema das Yabás (orixás femininas) me comove muito e a vontade de compor surgiu.” A música Dança Yabá integra o repertório do carnaval do bloco afro Ilú Obá de Min, coletivo que Juçara integra desde o seu nascimento, em 2006.

Como se pode perceber, a cultura e arte africanas e afro-brasileiras são marca registradas em todos os trabalhos desenvolvidos por Juçara. O interesse pelo assunto define sua caminhada de forma definitiva. Com tantos e ricos trabalhos em curso e aos 51 anos de idade, Juçara não se ressente por não ser conhecida do grande público. Quando questionada sobre este assunto, ela reflete: “As pessoas vão aos meus shows e gostam. No final vêm me falar isso sempre com muita emoção. Isso é tudo do que preciso: fazer o trabalho de forma a ficar realizada com ele e levar um pouco de alegria aos que me assistem.”

Em tempos do avanço inexorável da internet, não tocar na rádio e não aparecer na televisão não significa que as pessoas não possam ter acesso ao trabalho de artistas como Juçara Marçal. As redes sociais, por exemplo, mudaram bastante o cenário, do ponto de vista da divulgação e da expansão do trabalho. “Podemos colocar os discos que gravamos para download, os shows que fazemos no You Tube. Enfim, hoje temos outros meios de difusão do trabalho. E daí é deixar a rede funcionar”, conta ela, com tranquilidade e serenidade.

Em 2014, Juçara Marçal lançou seu primeiro trabalho solo, o CD “Encarnado”.

Depois dessa intensa caminhada, ainda há outros caminhos a percorrer, sempre estimulados pela generosidade e a curiosidade de Juçara, que partilha de seu conhecimento nas aulas de canto ministradas na universidade e também nos shows e projetos que desenvolve. A voz de Juçara Marçal é assim: basta ouvir para se apaixonar. A versatilidade, a alegria, a força e a delicadeza de seus trabalhos são a prova irrefutável disso. Se alguém duvidar, basta conferir qualquer apresentação da diva (título que ela detesta que lhe atribuam), Juçara Marçal.

Quer ver esta e outras matérias da revista? Compre esta edição número 176.

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