A história de Chiquinha Gonzaga

Oswaldo Faustino escreve sobre Chiquinha Gonzaga, que por toda sua vida quebrou inúmeros tabus

 

TEXTO: Oswaldo Faustino | Adaptação web: David Pereira

A história de Chiquinha Gonzaga

A história de Chiquinha Gonzaga

Saiba mais sobre a história de Chiquinha Gonzaga.

Lembro, por exemplo, daquela senhora carioca, baixinha, de 52 anos, que lançou no carnaval de 1899 a marchinha pedindo que abrissem espaço para a sua passagem. Pedindo não, exigindo! Ela jamais precisou que a sociedade brasileira de seu tempo lhe fosse condescendente. Conquistou seu espaço contrariando usos e costumes. Francisca Edwiges Neves Gonzaga transformou-se em Chiquinha Gonzaga, a pioneira compositora, pianista e regente de orquestra. Sua origem africana, em tempos de escravidão, resultou em muito choro.

Não só choros, mas também maxixes, modinhas e outros estilos musicais populares, sonhos artísticos e ousados que duraram os 88 anos que viveu. Ao casar-se com a mulher negra que havia dado à luz sua filha, um jovem militar branco contrariou e enfrentou toda a sua família. Fato consumado, a família paterna tomou todas as providências para seu branqueamento cultural. Ela foi educada para ser aristocrata, mas fugia para ver os escravos da fazenda dançando lundu e os sambas de umbigada. Arrepiava-se ao som dos batuques. Nas aulas de piano com o maestro Lobo, era introduzida no mundo clássico, mas nas horas de exercitar-se, aproveitava o dedilhado para sonoridades muito semelhantes às ouvidas na senzala.

O casamento imposto, aos 16 anos com um oficial da Marinha Imperial, não rendeu os choros que amava, mas prantos sem fim. Ainda mais pela proibição de se dedicar à paixão que mais exaltava: a música. Isso, além da reclusão no navio em que ele servia e o desprezo com que ele a tratava, por conta de sua origem negra. Mais um tabu se quebrava: Chiquinha Gonzaga abandonou o marido, sem temor pelo escândalo que isso representava em pleno século 19. A punição foi ficar apenas com o filho mais velho, deixando os dois menores.

Chiquinha Gonzaga aos 85 anos

Chiquinha Gonzaga aos 85 anos

Novo casamento, mais uma filha, nova separação. Desta vez, motivada pela infidelidade do marido, sua paixão de juventude. Novamente é obrigada a partir sem a filha. As aulas de piano e exibições em lojas de instrumentos musicais a ajudaram não só a sustentar o filho que vivia com ela, mas a se reenergizar para criar incontáveis composições em vários estilos. Compôs cerca de duas mil canções e 77 partituras para espetáculos musicais. O choro, porém, tocado nas festas com o regional de Joaquim Antônio da Silva Callado, era o que mais a encantava.

Mulheres mais velhas se apaixonando por jovens rapazes como a mídia volta e meia apregoa? Qual a novidade. Chiquinha tinha 52 anos quando começou a namorar um aprendiz de piano e composição de 16 anos de idade. Fingiu ter adotado como filho. O casal viveu seu amor intenso em Portugal e, ao retornar ao Brasil, continuou fingindo uma relação mãe e filho até o início do Carnaval de 1935, quando ela morreu. As cartas trocadas e fotografias do casal tornaram-se conhecidas.

Como a maioria de personagens negros brasileiros respeitados pela intelectualidade, Chiquinha Gonzaga também foi embranquecida e interpretada em novela, filme e teatro por atrizes brancas – Regina Duarte e sua filha Gabriela Duarte; Bete Mendes; Malu Galli e Rosamaria Murtinho –, apesar de ela, artisticamente, assumir sua negritude.

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