“Branco correndo é atleta, Preto correndo é ladrão”

Qualquer negro, jovem ou velho, homem ou mulher, rico ou pobre, conhece, e muito bem, o significado do ditado popular acima. Lamentavelmente, esta é a máxima que tem norteado, até os dias atuais, o comportamento das polícias (civil ou militar) quando das abordagens de pessoas negras. Se a abordagem ocorrer à noite ou em local ermo, a possibilidade de terminar em morte é espantosa e quase sempre tendo como justificativa de que houve “resistência” por parte da vítima.

É a violência do preconceito/discriminação/racismo, materializada nos corpos e mentes tanto das vítimas quanto dos algozes. E o que é mais grave, de tão habitual ganhou proteção oficial. É o famigerado “auto de resistência” que além de produzir milhares de vítimas inocentes, notadamente jovens negros, tem sido o grande passaporte para a impunidade policial no país.

Cartum_MauricioPestanaNeste sentido, após anos e anos de denúncias e mobilizações de entidades do movimento negro, dos direitos humanos e da sociedade, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado da República, aprovou o PLS 239/2016, que altera o Código de Processo Penal (CPP), suprimindo do artigo 292 o chamado “auto de resistência”. A nova redação também deixa claro que “os agentes do Estado poderão usar, moderadamente, dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência à prisão”. E que havendo feridos ou mortos no confronto com as forças de segurança, será instaurado o devido inquérito.

Há quase uma unanimidade entre os operadores do direito e os legisladores (com exceção da Bancada da Bala) de que o “auto de resistência” tem sido um “autêntico subterfugio para evitar o flagrante de homicídio”, cometido por policiais, conforme afirmou a Senadora Lídice da Mata (PSB-Ba), relatora do projeto. Portanto, sua supressão, no formato que vem sendo utilizado, é um passo importante para que reduzamos o altíssimo índice de assassinatos decorrentes das abordagens policiais, em particular contra a juventude negra e que sequer são apurados.

Além disso, a extinção desse famigerado instrumento e sua substituição por legislação mais adequada e cidadã, será mais uma ferramenta no combate a impunidade de policiais, que de forma reiterada, adulteram as cenas dos crimes (conforme temos visto em inúmeras filmagens nas tvs e redes sociais) com o objetivo claro de produzirem falsas provas, contribuindo assim para o aumento da violência e da impunidade, que tem assolado o país e sido motivo, até mesmo, da preocupação e atuação de organismos internacionais como a Unesco e a Anistia Internacional.

Outo dado relevante, é que este projeto é um dos bons frutos da CPI do Extermínio da Juventude, encerrada ano passado, e que teve como relatora a senadora Lídice da Mata (PSB-BA) e como Presidente o Senador Paulo Paim (PT-RS). Aliás, é importante que parabenizemos a atuação do Senado e em particular, destes dois parlamentares que de forma ousada e corajosa percorreram o país, ouvindo e coletando centenas de denúncias e provas, desse crime de lesa humanidade que vem ocorrendo no país, que é o extermínio da nossa juventude.

Quiçá a Câmara dos Deputados, siga o mesmo caminho do Senado e aprove definitivamente o fim desse absurdo intitulado “auto de resistência” e que o país, possa dar mais um passo no caminho da pacificação e proteção de  sua população e  em particular de sua juventude e mais particularmente ainda, da sua juventude negra.

Toca a zabumba que a terra é nossa!

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Zulu Araujo

Foi Presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon – Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

 

 

 

*Este artigo reflete as opiniões do autor. A Revista Raça não se responsabiliza e não pode ser responsabilizada pelos conceitos ou opiniões de nossos colunistas

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Mestre em Cultura e Sociedade pela Ufba. Ex-presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon - Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

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