DANÇA CONTEMPORÂNEA NA PERIFERIA DE SÃO PAULO

Conheça a história da produtora cultura e bailarina Gal Martins que levou a dança contemporânea à periferia

 

TEXTO: Christiane Gomes | FOTO: Jonatha Cruz e Rogério Gonzaga | Adaptação web: David Pereira

A juventude da comunidade descobriu na dança uma potente ferramenta de expressão | FOTO: Jonatha Cruz

A juventude da comunidade descobriu na dança uma potente ferramenta de expressão | FOTO: Jonatha Cruz

À primeira vista, a dança contemporânea, gênero que nasceu nos anos de 1960 como uma forma de protesto à dança clássica, pode ser vista como uma arte elitista, destinada a poucas pessoas. É fato que essa informação procede, mas por que não romper com essa fronteira?Será que isso precisa, necessariamente, ser assim? O trabalho desenvolvido pela produtora cultural, arte educadora e bailarina, Gal Martins prova que não! Foi no Capão Redondo, bairro da zona sul da periferia de São Paulo que ela criou, em 2002, a Cia Sansacroma. Ao “atravessar a ponte” (expressão usada pela comunidade para se referir ao deslocamento para o centro da capital) para aprofundar seus estudos com a arte, Gal, que já praticava danças de matriz africana, teve contato com a dança contemporânea, que se baseia na pesquisa de linguagem e na busca de novos parâmetros para o corpo. “Ao começar a frequentar o circuito paulista de dança contemporânea, percebi que esse vocabulário ainda tinha um olhar elitizado que não chegava até as bordas da cidade, local de minha origem e de toda a minha história de militância cultural. Foi partindo dessa sensação e da paixão que tive ao ter contato com esse segmento artístico que nasceu a Cia Sansacroma, com o propósito principal de descentralizar a produção de dança contemporânea na cidade de São Paulo”, conta ela.

Gal Martins em cena do espetáculo Specullum: mais do que criar uma companhia de dança seu desejo era intensificar o trabalho cultural na periferia | FOTO: Rogério Gonzaga

Gal Martins em cena do espetáculo Specullum: mais do que criar uma companhia de dança seu desejo era intensificar o trabalho cultural na periferia | FOTO: Rogério Gonzaga

Apesar do preconceito que subestima a capacidade de fruir e criar este tipo de linguagem na periferia, o interesse dos jovens da região por ela foi massivo. Porém, para a comunidade em geral, foi necessário um processo de adaptação para aceitar este tipo de arte. Mais do que criar uma companhia de dança, Gal tinha o desejo de intensificar o trabalho cultural na região. Até que em 2009 a Cia Sansacroma foi contemplada com o Programa de Fomento à Dança, política de incentivo cultural da Secretaria de Cultura da cidade de São Paulo. A conquista foi extremamente significativa. Por um lado, fez com que a companhia ganhasse um tipo de “selo de qualidade” ao ser reconhecida como um grupo que desenvolve um trabalho sério. Por outro, a verba do programa fez com que fosse possível nascer o Ninho Sansacroma. Um espaço, também localizado no Capão Redondo que, além da sede da Cia, é também um lugar específico para a prática de atividades artísticas e que conta com um teatro de 90 lugares. “É uma luta constante manter a estrutura. Infelizmente não existem políticas públicas que invistam em espaços culturais, principalmente os que estão situados na periferia o que dificulta tudo ainda mais. Mas, enfim, seguimos na batalha.” O Ninho Sansacroma fez com que os projetos da Cia se ampliassem: mais do que apenas dançar, o objetivo é estender o processo transformador que a arte permite para criar um novo olhar para a sociedade e para todos os que vivem no bairro. “Estamos situados em uma comunidade com uma riqueza cultural singular, com muitos movimentos culturais atuando, ongs, entre outros, e mesmo assim a demanda é grande. Por isso é necessário ampliar as ações que chegam de fato até aqui. Acredito que o impacto está no processo de diálogo constante com nossa comunidade. Para nós é de extrema importância acompanhar o processo de inserção, democratização e fruição dessas pessoas. Não basta elas irem até o Ninho assistirem a um espetáculo apenas. É preciso perceber e entender como se dá esse processo internamente, se causou de fato algum impacto, qual o olhar e sua percepção diante de tal obra de arte”, defende Gal. Para cumprir com este objetivo, foi criado o projeto Formação de Público que, entre suas ações, atua junto a comunidade por meio do diálogo com escolas públicas e privadas da região por meio de uma abordagem junto a educadores e alunos, primeiro sobre o universo da arte contemporânea, passando pela identidade cultural regional para então chegar à dança. O projeto, aos poucos, vem conseguindo intensificar junto aos moradores do bairro a percepção de que o trabalho dedança contemporânea, às vezes, tida como subjetiva e distante de sua realidade, tem sim, muito a ver com ela.

Outra intervenção direta é a mostra anual Circuito Vozes do Corpo que contempla ações como apresentação de espetáculos de outros estados e regiões da cidade de São Paulo; workshops de formação de produção técnica, teórica e corporal; debates sobre políticas públicas para dança; entre outras ações. “O Vozes do Corpo surgiu como proposta de fortalecer o Ninho Sansacroma como um espaço de difusão de dança contemporânea, de aproximar os artistas da dança de nossa comunidade criando essa relação de mão dupla, quebrando o mito do antes e depois da ponte, mas principalmente de oferecer à comunidade um mês de imersão total neste universo, com uma programação extensa.

 

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