Em defesa da cultura, da democracia e da liberdade de expressão.

Nunca imaginei que no limiar do aniversário de 30 anos da promulgação da Constituição Cidadã de 1988, onde a liberdade de expressão foi categoricamente inscrita, tivéssemos que gritar em alto e bom som, mais uma vez, os versos acima, contidos no hino da proclamação da República: “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós”.

A sucessão de fatos que tem ocorrido no Brasil, nas últimas semanas, agredindo de forma violenta o direito inalienável do povo brasileiro de liberdade expressão é de preocupar.  Num dia, um grupo de direitistas confessos  tentam impedir a todo custo a exibição de uma apresentação artística num museu em São Paulo, acusando o artista de pedofilia. No outro, o Prefeito do Rio de Janeiro, proíbe os museus da cidade de receberem a referida exposição, sob o mesmo pretexto.

Mais adiante, um grupo de vândalos, tenta agredir artistas num museu em Belo Horizonte, onde encontra firme reação dos artistas locais, liderados pelo Secretário de Cultura Juca Ferreira. No último final de semana, em Salvador, um  juiz, a pedido de um deputado evangélico, suspende a apresentação de um espetáculo que era protagonizado por uma artista trans, apenas pelo fato dela ser trans. Nesse interim, um  movimento conservador, liderado por um artista pornô xinga, calunia e ameaça artistas como Caetano Veloso e Gilberto Gil, pelas redes sociais. E por fim, o absurdo dos absurdos, uma juíza, em São Paulo, proíbe a apresentação do artista Caetano Veloso, num acampamento de sem tetos, sob a alegação de que poderia gerar violência.

Ironia do destino, Caetano foi um dos grandes protagonistas na luta pela liberdade de expressão no Brasil, no período da ditadura e contribuiu enormemente para a conquista das liberdades democráticas em nosso país. Aliás, sua frase, singela e direta, que expressa um misto de surpresa e indignação diz tudo: “É a primeira vez que sou impedido de cantar no período democrático”.

Aparentemente isto não tem nada a ver com as causas negras, ou com o movimento negro. Ledo engano. Tem tudo a ver sim. Estas manifestações são em verdade, extensões das ações de intolerância religiosa contra as religiões de matriz africana, das discriminações e atitudes racistas que os artistas, futebolistas e personalidades negras tem sofrido nas redes sociais, assim como são parte integrante dos mesmos grupos que patrocinam o extermínio da juventude negra. É tudo farinha do mesmo saco.

Não se enganem os protagonistas são os mesmos. Os objetivos são os mesmos. E a metodologia é a mesma. Ou seja, a intimidação, o uso da emoção enquanto catalizador de processos antidemocráticos e sobretudo o completo desrespeito as liberdades democráticas tão duramente conquistadas em nosso país.

Por isso mesmo, cabe a todos nós, pretos, brancos, mestiços, mas sobretudo aos democratas de todas as cores,  de todas as idades e de todas as religiões e de todos os gêneros a reagirem veementemente contra essa onda conservadora que tenta se apossar do país.

Mais, do que reagir, precisamos nos mobilizar para fazer valer aquilo que está inscrito em nossa constituição federal. Daí, mais que nunca ser necessário gritarmos em alto e bom som – “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós..”.

Toca a zabumba que a terra é nossa!

Zulu Araujo

Foi Presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon – Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

 

 

*Este artigo reflete as opiniões do autor. A Revista Raça não se responsabiliza e não pode ser responsabilizada pelos conceitos ou opiniões de nossos colunistas

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Mestre em Cultura e Sociedade pela Ufba. Ex-presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon - Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

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