Escolas públicas empoderam alunos com projetos de equidade racial e de gênero

Conheça quatro experiências de instituições que desenvolvem práticas pedagógicas e de gestão escolar para promover a integração de alunos e da comunidade

Após 15 anos de aprovação da lei 10.639, que instituiu o ensino de história e cultura afrobrasileira nas escolas, uma pesquisa do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades) mostrou que 24% das instituições de ensino ainda não discutem racismo com seus alunos.

Para ampliar o debate sobre os impactos e desdobramentos de práticas pedagógicas e de gestão escolar que promovem a equidade racial e de gênero, no Dia Internacional Contra a Discriminação Racial (21) aconteceu em São Paulo (SP) o seminário “Gente que transforma a Educação: experiências de equidade racial e de gênero”.

Durante o evento, realizado pelo CEERT, com apoio do Instituto Unibanco, do Sesc e da Fundação Ford, foram apresentadas quatro experiências de escolas públicas que desenvolvem projetos para empoderar os seus alunos em diferentes regiões do país. Conheça as iniciativas:

Ultrapassando os muros da escola
Ibirapitanga (BA)

Em Ibirapitanga (BA), o desaparecimento de duas jovens negras (uma delas continua desaparecida e outra foi encontrada morta 15 dias após a denúncia) causou comoção entre os alunos do Colégio Estadual Paulo César da Nova Almeida. A inquietação diante do ocorrido, aliada ao fato de que muitos estudantes negros eram hostilizados dentro da escola, fez com que a direção desse início a um projeto para estimular o diálogo sobre questões étnico-raciais e de gênero.

Por meio das artes e de caminhadas pelas ruas da cidade para denunciar a violência contra a mulher, o projeto extrapolou os muros da escola e passou a organizar aulas de teatro em uma comunidade assentada próxima à unidade. Para debater sobre o tema, as questões raciais e de gênero se tornaram prioridade no cotidiano escolar. “O projeto precisou fazer parte do currículo da escola. Não adianta fazer uma ação pontual dentro da escola”, disse o diretor Francisco Cruz do Nascimento, ao mencionar a inserção do tema no projeto político-pedagógico da escola.

A experiência desenvolvida na escola deu origem ao grupo de teatro NEGRACIARTE, que atualmente se dedica à montagem de uma peça sobre feminicídio, genocídio e LGBTfobia. “Sabemos que não erradicamos o preconceito e talvez ele nem tenha diminuído tanto, mas o projeto empoderou aquela juventude negra e negra feminina a ponto de ter coragem de denunciar qualquer atitude preconceituosa dentro e fora da escola”, avaliou o professor Antônio José Santana Jr.

Eu não sabia que meus antepassados eram tão valorosos
Ananindeua (PA)

Incomodada com o pouco espaço para trabalhar história e cultura afrobrasileira na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Jornalista Rômulo Maiorana, em Ananindeua (PA), a professora de matemática Odalícia Oliveira Neves Conceição trouxe o conhecimento de etnomatemática para a sala de aula. Durante as aulas, ela começou a ensinar conceitos da disciplina a partir de jogos de origem africana.

“Era uma angústia que eu tinha de trabalhar a matemática a partir de um olhar no qual eu me identificava”, contou Odalícia. Para incentivar os seus colegas de outras disciplinas a também trabalharem questões étnico-raciais, a professora dedicou várias noites de sono ao estudo de conteúdos de diferentes áreas de conhecimento. Até que ela conseguiu fazer uma relação entre os temas curriculares e as questões raciais. “Em 2013, dei de presente [essa relação] para os meus colegas, acompanhada de um provérbio africano e uma boneca abayomi.”

A estratégia deu certo. Aos poucos, de acordo com ela, outros professores compraram a ideia. “É importante que o projeto não seja apenas uma prática de um professor. É necessário que a prática seja democrática. A participação da gestão é fundamental para que isso aconteça”, afirmou, ao citar que é necessário que a tema seja trabalhado em todas as disciplinas.

Liberdade religiosa na escola: construindo valores éticos para uma convivência
Belo Horizonte (MG)

“A gente tem um terreiro de candomblé na rua da escola, uma igreja católica ao lado e um templo evangélico acima. Essa multiplicidade de religiosidades traz também a questão do conflito para dentro do espaço escolar.” Foi com essa fala que a diretora Patrícia Mendonça, da Escola Municipal Florestan Fernandes, em Belo Horizonte (MG), explicou a necessidade de desenvolver um projeto para debater liberdade religiosa com os alunos.

Para diminuir a intolerância, principalmente em relação às religiões de matriz africana, a escola organizou encontros com especialistas em diferentes crenças. “O primeiro investimento foi a formação de professores. Desde 2009, mantemos um processo de formação na escola. É fundamental que a gestão tenha esse compromisso ético com a educação antirracismo”, defendeu a professora Patrícia Santana.

Além desse projeto, a escola também desenvolveu ações para falar sobre quilombo, valorização da cultura indígena e música negra. “Começamos também uma série ininterrupta de mostras culturai”, disse Patrícia.

A diferença é o tempero da vida
Aquidauana (MS)

Depois de ter estudado na Escola Estadual Cândido Mariano, em Aquidauana (MS), onde hoje é diretora, Nilda Fátima Moraes de Oliveira Silva percebeu que muitos alunos se sentiam desvalorizados por pertencerem a uma comunidade ribeirinha. Para mudar essa realidade, a estratégia adotada por ela foi a de usar o teatro, a dança e as artes para criar um sentimento de pertencimento entre todos os integrantes da instituição escolar. “O projeto é simples, mas ele tem o fato de sonhar junto com a comunidade”, destacou a diretora.

“No primeiro ano de trabalho colocamos que somos todos iguais. Hoje eu não penso assim. Somos todos diferentes. A palavra que a gente trabalha muito dentro da escola são duas: respeito e equidade. Somos diferentes, porém os nosso direitos têm que ser iguais”, ressaltou a diretora.

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