Impacto do racismo de Monteiro Lobato sob uma visão histórica e pessoal. Por Ale Santos

Muitos professores ou estudiosos da educação ainda questionam até onde Monteiro Lobato era racista. Claro que a maioria destes questionamentos vêm de pessoas que nunca sentiram na pele o impacto da sua obra no cotidiano do negro.

O escritor taubateano era um famoso defensor da eugenia, um tipo de seleção de humanos “bem nascidos” ou uma escolha de características superiores para a evolução da espécie. Exatamente o que defendia Hitler, vários países tiveram iniciativas como essa.

Para ser mais exato, ele foi membro da Sociedade Eugênica de São Paulo e mantinha relações estreitas com vários dos principais nomes das políticas eugenistas brasileiras como Renato Kehl e Arthur Neiva.

Recentemente foram reveladas cartas em que ele fazia elogios à KKK (Ku Klux Klan), a seita supremacista que assassinava negros e incendiava cruzes nos Estados Unidos. “País de mestiços onde o branco não tem força para organizar uma Kux-Klan, é país perdido para altos destinos.” Disse.

A frustração do Lobato era por conta do seu livro O presidente Negro, que não foi aceito nos EUA. Nele a elite branca concluiria um plano para esterilizar todos os negros e extinguir a raça em prol de uma Supercivilização ariana.

O que isso tem a ver com a literatura infantil? Tudo. Afinal o autor foi capaz de projetar seus preconceitos na construção das personagens. Sua visão sobre a pessoa negra ou mestiça não mudava magicamente para um mundo onde todos eram felizes, durante a escrita.

No livro “Caçadas de Pedrinho” (1933) Tia Nastácia é tratada por nomes como “macaca de carvão” , “carne preta”, “beiçuda” e várias outros insultos de cunho racial. Seus defensores dizem que não se podem julgá-lo com as réguas atuais.

Um dos trechos completos é esse: “esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou que nem uma macaca de carvão pelo mastro de São Pedro acima, com tal agilidade que parecia nunca ter feito outra coisa na vida…”

Já em Reinações de Narizinho, Nastácia é chamada “negra de estimação”. São mais de 50 vezes que Lobato se refere a ela usando o termo a negra. Vários especialistas concordam que imaginário é parte inseparável de nossa existência e ajuda a construir nossa visão de mundo.

Por isso é esperado que crianças reproduzam de maneira natural as tratativas que o escritor tinha com sua personagem. Como eu sei? Porque estava lá em Taubaté durante a década de 90, estudando em escolas públicas que se alimentavam da obra de Monteiro Lobato o ano todo.

As ofensas raciais ganhavam um sentido doloroso para mim e a maioria dos alunos negros. Não havia variação de cor para o racismo impregnado, todos eram o “negro carvão” ou “cor de lodo” como Tia Nastácia já foi referida algumas vezes.

Coitado de nossos lábios, na verdade “beiços” como o racismo prefere enfatizar. E nossos narizes e orelhas. Tudo lembrava um macaco, quanto mais se propagava a obra, mais apelidos recebíamos.

Isso teve um impacto real na minha auto-estima, como deve ter sido para várias crianças negras. Por que reprovar um comportamento que vinha de um renomado autor? Todos riam, garotos e garotas brancas com respaldo dos professores.

Depois de alguns anos fui convencido que era um verdadeiro monstro. Meus pais nunca perceberam a origem de minha timidez. Nem eu, ninguém falava “você está sendo atacado porque é negro” Precisei de ajuda psicológica para lidar com tamanha inibição social.

Sinceramente, ela só foi desaparecer ali próximo aos 16 anos, quando morava em outra cidade e já estava no processo de reconhecimento e auto-afirmação racial. O avesso do que vinha dessa obra infame de Monteiro Lobato.

É por isso que EDUCAFRO e UNIPALMARES lutam para retirá-las das coleções oficiais do MEC. Mas enquanto a discussão entre educadores e escritores se desenrola, muitas crianças negras ainda são impactadas com o racismo de suas obras.

Lá no Sítio do Pica-Pau-Amarelo, em Taubaté, que agora é um museu e recebe centenas de turistas diariamente ainda é possível encontrar todo o tipo de estereótipo racista sobre a personagem. Por vezes interpretada com um blackface, pintando o rosto de forma exagerada, como um escárnio. Reforçando o batom vermelho para que a ofensa faça sentido.

Muitos anos após minha infância na cidade, visitei o lugar. Imaginei que após tanta polêmica as coisas melhorariam. Até fui assistir o teatro infantil, que acontece 2 ou 3 vezes ao dia. Saí da sala em menos de 30 segundos, não consigo realmente presenciar ofensas raciais nem de brincadeira.

Mais rápido do que eu foram as crianças da platéia para reproduzi-las: “Macaca Beiçuda hahaha”. Não quero imaginar como se sentiram as meninas negras assistindo a peça. Apenas me questiono até quando historiadores vão relativizar essa história e ainda dizer como nós, negros, devemos nos sentir em relação a elas.

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