Modativismo: Para além das fronteiras.

Desfile na Dakar Fashion Week, Senegal, 2013.Fotografia de David Simon.

O encontro com outras mulheres negras, ativistas, de atuação internacional, foi marcante no direcionamento da minha carreira como artista e designer de moda. Entre 2010 e 2012, eu mantinha uma loja e atelier no centro do bairro do Rio Vermelho, em Salvador, um dos mais conhecidos na cidade, por reunir diversas possibilidades de entretenimento e cultura.

Ao final do ano de 2012, junto com Solon Diego, talentoso estilista baiano, organizamos ‘A-loja’, um evento multilinguagem que reunia trabalhos de design, moda, arte, música, em quatro andares de uma casa onde se construiria o Lalá – casa conceito, idealizada por Luiz Ricardo Dantas. Expondo a linha comercial da marca, recebi uma bela mulher, senegalesa, que me entregou um cartão escrito “Black Fashion Week”. Era Adama Ndiaye, que visitava Salvador na tentativa de mapear estilistas negras e negros. Ao ler o cartão, lembro que me desculpei, pois ali estavam expostas nas araras peças bem básicas e ligadas às tendências do verão, justificando que com loja aberta, tivemos que nos adaptar para vender e ela disse: todas nós temos que sobreviver, querida!

Apresentei o portfólio da última coleção, Kalakuta, trabalho inspirado na sonoridade do nigeriano Fela Kuti, que marcava um posicionamento político já bem explícito sobre a relação entre a moda e as lutas antirracistas. Nos despedimos, ela transitou pela casa e conversou com outras pessoas. Na semana seguinte visitou minha loja, analisou o acabamento das peças no atelier, conversamos mais algumas vezes sobre o mercado de moda local e ela retornou ao Senegal. Quatro meses depois, me enviou um e-mail convidando para representar o Brasil na Dakar Fashion Week, no Senegal, evento que aconteceria em junho de 2013; seu mote de escolha foi a seleção de criadores de moda de diversas nacionalidades que expressam a diversidade cultural de seu país como uma contribuição às práticas contra o racismo.

Impactada com o convite e com a emoção da possibilidade de pisar pela primeira vez em solo estrangeiro e africano, o desafio agora era viabilizar duas coleções de 10 looks em tão pouco tempo. Esse desafio foi compartilhado com colegas do curso de Design de Moda da Unime e acabamos transformando a nossa sala de aula em laboratório de projeto de design, confecção e styling de moda, envolvendo as estudantes do curso no acompanhamento de todas as etapas do trabalho, bem como a confecção das peças e acessórios da Coleção Linhas Vivas.

Os eventos organizados por Adama são a Dakar Fashion Week e as Black Fashion Weeks – Paris, Montreal, Praga, dentre outros – que se estabeleceram como uma ocasião para, principalmente, apoiar designers e modelos de ascendência africana e, assim, nos ajudar a empreender relações com o mercado de moda internacional, incentivando o intercâmbio cultural, a fim de estimular a criação, promover a concepção de designers negros e negras para além das fronteiras de nossas comunidades, destacando os pontos fortes da África contemporânea e da Diáspora ao longo da história da moda.

Eu fui a primeira estilista brasileira a participar da Semana de Moda de Dakar, evento que completou na última edição, em junho de 2017, quinze anos de existência, fomentando a Moda feita por e para pessoas negras ao redor do mundo, com a intenção de ampliar o nosso alcance ao mercado de moda internacional, assim como estender o número, a qualidade das publicações e a mídia televisiva, direcionadas ao campo.  Da participação no evento e da estadia no Senegal, guardo as melhores memórias e a recordação de um dos desfiles que fizemos em Guédiawaye, periferia de Dakar, para uma plateia de 25 mil pessoas. Esse foi um dos momentos mais bonitos que já vivi como estilista e como mulher negra!

CAROL BARRETO

Mulher Negra, Feminista e como Designer de Moda Autoral elabora produtos e imagens de moda a partir de reflexões sobre as relações étnico-raciais e de gênero.  Professora Adjunta do Bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade – FFCH – UFBA e Doutoranda no Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade – IHAC – UFBA, pesquisa a relação entre Moda e Ativismo Político.

*Este artigo reflete as opiniões do autor. A Revista Raça não se responsabiliza e não pode ser responsabilizada pelos conceitos ou opiniões de nossos colunistas

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