Na nossa pele

Em abril de 2011, escrevi um artigo intitulado “Galã da Cidadania” para um blog já extinto chamado Terra Magazine, onde comentava a forma preconceituosa e muitas vezes racistas, com que telespectadores, jornalistas e comentaristas televisivos, (mesmo os bem intencionados) tratavam o sucesso do ator Lázaro Ramos nas telas brasileiras.

Neste artigo eu afirmava “Lázaro Ramos é hoje o fruto mais bem acabado que a luta pela promoção da igualdade racial produziu no país nas últimas décadas. Firme sem ser autoritário, culto sem ser esnobe, ousado sem ser irresponsável, político, sem ser militante, além, evidentemente do enorme talento, faz de Lázaro hoje, um símbolo da cidadania que buscamos.”

Ao ler esta semana, sua mais recente ousadia, o livro autobiográfico, intitulado: “Na Minha Pele”, voltei ao texto e percebi o quanto havia de verdadeiro na afirmação que fiz há mais de seis anos, mesmo sem ser Pitonisa, assim como de quão é importante sua presença  no atual cenário político/cultural que estamos vivendo.

Fiquem tranquilos, pois não pretendo me travesti de crítico literário, porque não o sou, nem muito menos tecer loas a “Lazinho”, como ele é conhecido na intimidade, por ser seu amigo. O que pretendo aqui é registrar a relevância desse gesto ousado: a publicação de um livro autobiográfico, com menos de 40 anos, para servir de exemplo há uma juventude que vem sendo literalmente exterminada no nosso Brasil varonil.

Muito mais que uma autobiografia o livro revela a história de um cidadão comum, de uma família comum, criado de forma comum, com amigos comuns. Mas, com algo absolutamente incomum para os padrões vigentes no seu contexto social: a consciência da cidadania.

A trajetória percorrida por Lázaro Ramos, entre a Ilha do Paty (seu local de origem) e a Vênus Platinada (a rede Globo), foi construída com muito trabalho, muito carinho da família, muito talento, mas sobretudo, com muita consciência de sua cidadania, mesmo que de forma inconsciente em alguns momentos.

Não há no seu relato, nenhuma mágica, nenhuma queixa, nenhuma extravagância, nenhum fato extraordinário que o tenha tocado ou que o diferenciasse da maioria dos seus, fossem eles seus entes queridos ou parceiros de infortúnios. O que o livro registra de forma emocionante é que quando a educação alia-se a consciência, seja no plano familiar ou na sociedade o resultado é sempre positivo.

E é assim que ele registra a importância da família, dos vizinhos, dos amigos, dos colegas de escola e do Bando de Teatro Olodum em sua formação enquanto artista e enquanto homem.

Na verdade, o que Lázaro Ramos apresenta sem muitos rodeios e nos convida ao compartilhamento de forma carinhosa, não é a sua pele, nem muito menos a cor de sua pele, mas sim, a nossa pele. Pele aqui entendida, enquanto modo de vida ou de viver num país tão singular e complexo chamado – Brasil.

Enfim, ele nos mostra de como a junção de todos esses elementos, pessoais e/ou coletivos, temperados pelo processo democrático que o Brasil experimentou nos últimos anos, forjou um cidadão pleno para os desafios que o mundo contemporâneo nos apresenta.

Toca a zabumba que a terra é nossa!

Zulu Araujo

Foi Presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon – Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

 

 

*Este artigo reflete as opiniões do autor. A Revista Raça não se responsabiliza e não pode ser responsabilizada pelos conceitos ou opiniões de nossos colunistas

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Mestre em Cultura e Sociedade pela Ufba. Ex-presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon - Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

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