O Negro no atual momento Político

O Brasil foi sacudido nos últimos dias por um verdadeiro tsunami político, com todos os ingredientes típicos de um filme de suspense. Espiões, gravações escandalosas, delações “premiadíssimas”, malas recheadas de dinheiro, prisões e pedidos de impeachment à mão cheia. Tudo isto, envolvendo deputados, senadores, empresários e até mesmo o presidente da república de plantão.

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Diante de fatos tão graves, onde o país inteiro se escandaliza, discute, opina e se mobiliza para encontrar uma saída, chamou-me a atenção um fato corriqueiro, porém cruel, do cenário político brasileiro – a ausência quase que absoluta da comunidade negra neste campo da cidadania. É duro admitir, mas com raríssimas exceções, o fato concreto é que a presença da comunidade negra ou das suas demandas em momentos decisivos da nossa história política é nenhuma ou inexpressiva.

Tanto isto é verdade que até o presente momento nenhuma liderança, grupo ou corporação negra logrou participar, ser ouvida ou apresentar propostas relevantes, que contribuíssem para o enfrentamento desse imbróglio político, pelo qual o país está passando.

Procurei, vasculhei, indaguei e não consegui encontrar nenhuma liderança política negra que estivesse discutindo ou participando, na condição de protagonista de qualquer dos processos que estão em debate no campo da política brasileira – renúncia, impeachment, eleição indireta ou direta.

Isto é revelador, de um lado, do quanto o Brasil é excludente e concentrador quando se trata das decisões políticas estratégicas e de outro o quanto a comunidade negra está ausente e despreparada para discutir os rumos do país. E olhe que o mês de maio deveria ser ao menos um momento simbólico para a nossa luta. Dia 11 é celebrada a morte de Bob Marley, Dia 13 a Abolição da Escravatura e Dia 25 o Dia da África.

Fiz um esforço enorme para tentar preencher esta lacuna e o resultado foi desalentador.  Por mais que nos esforcemos, não há, em verdade, nenhuma presença política séria da comunidade negra ou de suas lideranças, na discussão, formulação ou decisão, neste momento tão crucial do nosso país. Na verdade, somos uma força lateral e periférica, com muita retórica e pouca ação. E por isto mesmo, facilmente manipulável.

E olha que não faltam razões nem motivos para nos preocuparmos. Várias das vitórias tão duramente conquistadas no caminho da promoção da igualdade racial e social em nosso país estão em risco. Tanto no campo econômico, cultural, educacional, religioso ou político, o que temos são as forças conservadoras buscando anulá-las a qualquer custo. E com certeza, materializando-se este retrocesso que se avizinha, as primeiras e principais vítimas serão os negros.

Este retrato duro, porém verdadeiro, é revelador também do quanto precisamos avançar na compreensão da luta política, das articulações e alianças que temos que produzir permanentemente para assegurar nossas conquistas. Em que pese o trabalho incessante que parte desta comunidade tem travado, ao longo da nossa história, para serem protagonistas do seu destino, a realidade é que ainda estamos distante dessa compreensão.

Mais do que nunca, faz-se necessário a elaboração de uma agenda política mínima, que possa ser discutida e acordada entre as lideranças do movimento negro e apresentadas as forças políticas da sociedade, como parte da nossa contribuição para que as liberdades e as conquistas democráticas, sejam não só consolidadas, como  ampliadas.

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Zulu Araujo

Foi Presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon – Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

 

 

 

*Este artigo reflete as opiniões do autor. A Revista Raça não se responsabiliza e não pode ser responsabilizada pelos conceitos ou opiniões de nossos colunistas

 

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Mestre em Cultura e Sociedade pela Ufba. Ex-presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon - Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

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