O negro no merchandising

Na televisão são constantes as inserções chamadas de merchandising para se vender um produto. Tal ação publicitária, porém, ainda não contempla na televisão os profissionais negros ligados à comunicação

 

TEXTO: Fernando Alcântara | FOTOS: Maurício Requião e Rafael Cusato | Adaptação web: David Pereira

 

A "merchandete" Naama Rodrigues | FOTO: Maurício Requião

A “merchandete” Naama Rodrigues | FOTO: Maurício Requião

A palavra vem do termo francês merchand, e a palavra ‘merchandiser’ em inglês significa negociante. É chamado de merchandising qualquer técnica, ação ou material promocional com o propósito de motivar ou influenciar as decisões de compra dos consumidores, gerando a rotatividade e proporcionando ao público informações sobre determinado produto, marca ou serviço. Mais do que conhecer o conceito do merchandising (ou simplesmente merchand), é necessário entender a linguagem que este tipo de marketing utiliza para chegar até o público. Esta é a diferença mais clara quando o comparamos com a publicidade, pois, enquanto que a primeira é feita de modo geral (ainda que tenha seu alvo definido), o merchand conversar diretamente com este público, estuda e conhece as pessoas com quem irá interagir e dá personalidade ao que se pretender vender. Com esta chamada, o apresentador expõe de forma funcional determinado produto ou serviço, como um mostruário.

A ideia do merchandising é que, para cada item a ser apresentado, é necessária uma reflexão sobre o público para o qual aquele anúncio está sendo direcionado. Para a apresentadora Naama Rodrigues, o segredo está nos detalhes. “Se o merchand é para o público jovem, por exemplo, a roupa tem que ser adequada, a cor da unha, o cabelo, a maneira de falar, enfim, cada detalhe está transmitindo uma mensagem para quem está assistindo à apresentação”, explica.

Como se sabe, mais da metade da população brasileira é negra, porém, ainda existem poucos profissionais afrodescendentes falando diretamente com este público por meio do merchandising. E olha que esta modalidade de venda cresce em ritmo acelerado e nos programas mais populares da TV. A ausência foi percebida pelo vereador e apresentador Netinho de Paula que, a medida do possível, procura colocar negros nesta posição, derrubando o mito racista de que negros não vendem. “A importância de negros no merchandising está relacionada ao grau de percepção que as empresas têm da questão racial no país. Uma empresa mais antenada e em sintonia com as questões de gênero e raça traz para o seu produto esta consciência. Já as empresas que não têm esta percepção deixam transparecer esta deficiência em seus filmes publicitários, materiais gráficos e outros. E o povo está muito atento a isso.”

Diretor da HDA Models, o empresário Helder Dias defende que, embora ainda exista racismo na área de marketing, este quadro vem melhorando com o passar do tempo. “Na publicidade, os negros apareciam apenas em campanhas específicas, direcionadas às classes C e D. Hoje é possível ver negros em campanhas de alto padrão, de produtos direcionados a vários segmentos, e isso tem mudado bastante”, opina.

A dificuldade dos negros em entrar neste mercado começa na concepção destas peças publicitárias. De acordo com Naama, em Salvador, a maioria das campanhas é pré-planejada em São Paulo. “Aqui em Salvador não existe vínculo empregatício para merchandising. Eu faço merchand em qualquer emissora. Aqueles que vêm de São Paulo sempre me dão prioridade por eu ter mais experiência.

O empresário Helder Dias, da HDA Models | FOTO: Rafael Cusato

O empresário Helder Dias, da HDA Models | FOTO: Rafael Cusato

Na maioria dos casos de merchandising especializado, é o cliente – os representantes de marketing de um determinado produto – quem escolhe a pessoa que irá apresentar o merchand. Sobre a escolha do profissional de merchand ser dos anunciantes, Netinho de Paula acredita que esta seja uma medida normal, comercialmente falando. “Acho razoável, tendo em vista que é obrigação dele pagar. O anunciante tem o direito de escolher quem o melhor representa.”

Para Helder Dias, é necessário pressionar os anunciantes para fazer com que estes entendam a importância de eliminar o racismo dos critérios utilizados na escolha dos profissionais da área de merchandising. “A discussão de quem escolhe o representante de uma marca é um dos principais assuntos que tenho levantado aqui na agência. Na moda, por exemplo, geralmente o desenhista escolhe um ou dois negros apenas para fazer média. Agora, quando é um profissional mais novo ou que está afastado há muito tempo, ele procura usar negros e a cultura africana para dar visibilidade, causar polêmica e dar mídia, porque é um tema que dá muito respeito a uma artista”, diz o empresário.

O engenheiro de vendas Eder Nunes convive bastante com esta realidade. Embora trabalhe no segmento voltado à moda e nunca tenha vivenciado uma situação constrangedora em que tenha sido discriminado, ele entende que este setor tem problemas em aceitar com facilidade a entrada do negro. “Observo que ainda existem restrições ao negro no mercado da moda quando a ideia é ligar uma pessoa negra com o ideal de alguma marca. Existem barreiras, especialmente quando estamos pensando em marcas consideradas de elite ou muito tradicionais. Por outro lado, é fácil perceber que a presença do negro está muito mais voltada à cultura popular”, enfatiza.

Na área da moda, de fato, as ações têm sido muito mais evidenciadas, principalmente após uma série de reivindicações por parte dos movimentos sociais e da sociedade civil, em 2009, que virou ação do Ministério Público, propondo a obrigatoriedade de cotas raciais em desfiles de grifes dos principais eventos de moda. A ação foi levantada com base no percentual de modelos negros na São Paulo Fashion Week, em torno de 3%, número bem menor que o de brancos. Um acordo entre o Ministério Público e as grifes determinou que o desfile deveria conter uma cota mínima de 10% de modelos negros ou indígenas.

O fato abriu uma discussão que abrangeu a moda, a publicidade e outros setores, a fim de que todos entendessem que o negro também vende. A “merchandete” Naama levanta a mesma questão no merchandising. “Infelizmente, fora eu aqui em Salvador, não vejo o negro ocupando espaços importantes, principalmente quando falamos de programas que passam no país inteiro. Temos muitos apresentadores e ‘merchandetes’, principalmente nos programas de domingo, mas ainda não consigo ver negros e negras. É triste, porque é um espaço bastante privilegiado e que não está sendo ocupado pelos negros.”

Netinho de Paula – apresentador negro com maior destaque da televisão aberta – ressalta seu esforço para promover a visibilidade e a inserção dos negros neste mercado. “Esta tem sido uma luta pessoal ao longo de minha trajetória. Sempre sou tachado de racista por questionar a ausência da mulher e da criança negra na TV brasileira. E esta luta me custa caro, pois muitos irmãos e irmãs não entendem que sempre que alguém tenta tocar no assunto, este se torna não grato neste meio, que se defende com o argumento do mito da democracia racial”, afirma.

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