Documentário explora reflexos de Beyoncé em jovens negros brasileiros

“Waiting for B.” acompanha a rotina de fãs que ficaram acampados por meses para ver ícone pop dos EUA

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Foi em julho de 2013 que o paulista Paulo Cesar Toledo viu uma nota no jornal sobre fãs já acampando no Morumbi para um show da Beyoncé que só aconteceria em setembro. Profissional do audiovisual, ele sempre quis fazer um filme próprio e chamou a esposa e parceira Abigail Spindel para documentar aquele universo – que lhe parecia ótimo material para um curta.

No sábado seguinte, os dois foram até a fila pela primeira vez. Mas o que eles e suas câmeras encontraram ali não foi exatamente o que esperavam. “Eu não sabia que a fanbase da Beyoncé era formada tão fortemente pelo público homossexual. Achava que ia ter mais meninas”, admite Toledo.

Passado o choque inicial, ele entendeu o por quê. “A Beyoncé é uma companheira de jornada para eles. Uma espécie de amiga virtual que os acompanha nessa vida nada fácil de ser um menino gay, pobre, negro, na periferia, com tamanhas camadas de preconceito”, descreve. E ao perceberem a riqueza desse material que tinham em mãos – algo como se o protagonista de “Moonlight” fosse interpretado pelas drags de “Paris is Burning” – ele e Spindel decidiram transformar o curta em um longa.

O resultado é o documentário “Waiting for B.”, que estreia na próxima quarta na Sessão Vitrine Petrobras. O filme acompanha a rotina de alguns dos campistas, que se revezam com os amigos na “manutenção” da barraca enquanto trabalham e estudam, até o dia do show. “O que a gente achou que seria um filme sobre fanatismo acabou virando outra coisa bem diferente, sobre o poder que um artista tem de te inspirar, de ser um modelo”, explica Toledo.

Mais que sobre inspiração, porém, “Waiting for B.” é um longa sobre performance. Beyoncé é uma das maiores artistas da atualidade por sua capacidade de transformar a própria vida em uma grande performance. O anúncio de sua gravidez é um ensaio fotográfico pós-moderno. O despertar feminista é o mote do álbum “Beyoncé”. O discurso negro e a suposta traição do marido alimentam “Lemonade”. E, de modo semelhante, seus fãs utilizam a paixão e a relação com a cantora como forma de expressar, não só sua sexualidade, mas quem eles realmente são – para construir uma performance de si mesmos.

“Eu acho que a performance é em casa. A versão real deles é quem está na fila”, contrapõe o diretor. Ali, eles são femininos, afetados, desbocados, nada discretos. São fabulosas, cantando, dançando e emulando Beyoncé. “Ela foi a primeira a saber que eles eram gays, e um monte de coisas que a família deles só veio a descobrir depois. É um exemplo de vida, de superação, de alguém que trabalhou para caramba e é bem-sucedida”, argumenta.

Sob a “bênção” desse empoderamento oferecido pela cantora, o grupo transforma a fila no Morumbi – assim como o Duelo de Vogue ou a Gaymada – em um misto de porto seguro e dimensão paralela. Um lugar em que podem ser eles mesmos, resistindo contra a administração do estádio, que não gostava deles, e os torcedores que passavam por ali duas vezes por semana. “A sociedade se adequou à histeria heterossexual com o futebol, mas a relação de gays com cantoras ainda é algo reprovável. Por isso, chamo aquilo ali de comunidade de resistência: o fato de serem negros, pobres, gays e dando a cara para bater porque ‘esse é o meu futebol’”, avalia Toledo.

O curioso disso é que, diferentemente de Lady Gaga ou Madonna, Beyoncé não tem um discurso especificamente gay em sua música. E mesmo cooptando as lutas feminista e negra em suas canções, ela é extremamente privilegiada e mantém certa distância fria em relação aos fãs, recusando-se a fingir uma intimidade inexistente. Algo que os próprios fãs reconhecem e discutem no filme.

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“Sabe como seu melhor amigo pode ser alguém que você sabe que não é a melhor pessoa do mundo? É mais ou menos a mesma relação. Eles amam a obra dela, acompanham o dia a dia dela, mas não têm a ilusão de que ela é perfeita ou imaculada”, analisa o diretor. E assim como reconhecem essa distância física e social, eles admitem que, “na vida real”, a mãe pediu que o tio os espancasse ou que sofreram preconceito dos próprios gays por serem negros ou “femininas”.

“Existe essa dicotomia entre serem garotos pobres da periferia estarem conversando sobre o Chanel e o baile MET Gala. Eles querem luxo, o glamour os atrai até a Beyoncé, mas na vida real estão aqui pegando o ônibus. O que é válido porque ela é um bom exemplo de alguém que conseguiu tudo que eles querem por meio de talento e trabalho”, reflete Toledo.

 

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