TIMOTHY MULHOLLAND

TEXTO: Mauricio Pestana/ FOTO: Divulgação

Professor Timothy é conhecido pelo respeito, pela habilidade e pelo equilíbrio com que dirige os colegiados. O seu conhecimento sobre a Instituição e as normas tem agilizado a resolução de problemas da Universidade de Brasília em pequena e larga escala, estar frente a frente com ele o inimigo número um da mídia brasileira na questão das cotas raciais foi uma experiência inesquecível, não só pela importância da entrevista, mas também pelo novo momento que a RAÇA BRASIL vive. O ativista, cartunista e escritor Pestana, dava lugar ao representante dos leitores neste novo espaço as “Páginas Pretas” destinadas a negros e não negros que estão construindo uma nova página na história deste País. Algumas das perguntas talvez o ativista Pestana já tivesse a resposta, mas o leitor não e este será o desafio de agora em diante: trazer às páginas da revista aquilo que as outras publicações não trazem: informação, indignação e novos horizontes para o nosso povo.

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NOS ÚLTIMOS MESES O SENHOR E A UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UNB, TÊM ESTADO NO OLHO DO FURACÃO COM RELAÇÃO ÀS QUESTÕES RACIAIS E O SISTEMA DE COTAS. AS CRÍTICAS VÊM DE TODOS OS LADOS, PRINCIPALMENTE, DOS GRANDES VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO DO PAÍS. COMO O SENHOR VÊ ISSO?
Os ataques ao sistema de cotas da UNB surgiram desde que começamos a discutir o assunto. Eles se devem por termos sido a primeira universidade federal no Brasil a criar o sistema de ações afirmativas. Hoje são mais de 17 federais e inúmeras em outras instâncias do estado brasileiro, por isso somos os principais alvos dos ataques pelos setores mais conservadores desta nação.

 

O SENHOR ESPERAVA ESSA REAÇÃO? QUEM SÃO ESSES SETORES?
Esperava uma ou outra reação, mas o que surpreendeu foi a violência dos ataques que partiram de setores acadêmicos e principalmente dos grandes jornais, de revistas e até da televisão, enfim, setores da mídia brasileira.

 

O SENHOR FALA EM VIOLÊNCIA, COMO ASSIM?
Falo em violência porque uma coisa é você ser contra ou a favor do sistema de cotas deste ou daquele modo; você pode também ser contra qualquer tipo de ação afirmativa por uma questão de princípio, mas a violência dos ataques mostra um sentimento de hostilidade a qualquer gesto que vise resolver o gravíssimo problema de exclusão dos negros no Brasil.

 

ESSA VIOLÊNCIA PODE SER INTERPRETADA COMO RACISMO DESSES SETORES?
Acho que essa interpretação tem que ser mais bem estudada e analisada por sociólogos e antropólogos que tentam compreender as origens do conservadorismo brasileiro, mas é interessante que não exista a mesma reação violenta com relação ao encaminhamento a programa de ações afirmativas de outros grupos historicamente discriminados, como mulheres, índios, portadores de necessidades especiais e homossexuais. As questões desses grupos são vistas muitas vezes até com aplausos. Veja a parada gay em São Paulo, foi manchete em vários jornais do país como uma coisa positiva, o que é muito bom, mas quando falamos em abrir as portas de instituições e acesso aos bens públicos mais valiosos, como é o caso da educação para a população negra excluída, a reação é brutal, é violenta e isso precisa ser mais bem estudado e compreendido.

 

ESSES ATAQUES E ESSA VIOLÊNCIA NÃO ESFRIAM OS ÂNIMOS?
A imprensa certamente faz a cabeça das pessoas no Brasil. O poder da mídia é gigantesco, porém neste caso,  apesar de simbolicamente a UNB ser a primeira peça do dominó por sua importância estratégica, só temos avançado, exemplo: um mês e pouco depois do último ataque que veio da revista Veja no caso dos gêmeos, mais quatro ou cinco universidades federais seguiram o caminho da UNB e adotaram ações afirmativas, ou seja, o pensamento segue mesmo com toda a violência no sentido de nos humilhar como instituição e seus dirigentes. No meu caso, o lado que sentimos que absorveu mais essas críticas foi o Congresso Nacional: existem lá leis muito importantes para expansão das cotas, mas sentimos um certo recuo e um desânimo dos congressistas.

 

POR FALAR EM REVISTA VEJA, COMO FOI LIDAR COM AQUELA EXPLOSIVA MATÉRIA DE CAPA DA REVISTA?
O ataque partiu inicialmente da família que pegou um resultado parcial, foi para a mídia e isso foi um grande alento para as forças conservadoras, mas o fato é que o processo ainda não havia sido concluído, tinha um recurso ainda sendo analisado. O sistema de cotas na UNB existe há três anos e até hoje somente com uma ação na justiça é que fomos parcialmente vencidos, mas que ainda está passiva de recurso. No caso dos gêmeos eles entraram nas cotas como uma aventura: um dizendo ser negro e outro branco. Isso é falsidade ideológica, passivos inclusive de serem processados. O sistema de cotas não é uma loteria; ele existe para dar as mesmas oportunidades para cidadãos que são discriminados pela cor de sua pele ou por origem ancestral escrava, e isso tem que ser levado a sério. A verdade é que nosso sistema de avaliação é muito bem feito, o que acontece é que algumas pessoas se inscrevem no sistema de cotas por brincadeira e por isso eles ainda estavam sendo avaliados.

 

PARA ALGUNS INTELECTUAIS, INCLUSIVE NEGROS, A DENOMINAÇÃO “RAÇA” TAMBÉM É RACISTA E CONTRIBUI COM O SISTEMA RACISTA DE EXCLUSÃO. O QUE O SENHOR ACHA DISSO?
Isso é uma tentativa de mudar o eixo da discussão para o plano genético. É de uma desonestidade intelectual brutal, porém ela tem espaço nos campos acadêmicos e precisa ser esclarecida. Quando falamos raça negra no sentido sociológico, não tem nada a ver com a genética, e sim com pessoas sendo discriminadas na sociedade, é racismo! E isso não tem nada a ver com aquele racismo do Hitler que se propagava como uma supremacia de raça. Existe gente mal-intencionada que deseja confundir as coisas. Temos que esclarecer a sociedade para essas armadilhas.

 

O BRASIL RECENTEMENTE FOI MANCHETE DE PRIMEIRA PÁGINA EM VÁRIOS PAÍSES AFRICANOS, PELOS ATAQUES RACISTAS A ESTUDANTES DAQUELE CONTINENTE. EM SUA UNIVERSIDADE, OS ESTUDANTES O ACUSAM DE TER SIDO LENTO NAS APURAÇÕES, O QUE FOI FEITO E CADÊ OS CULPADOS?
É natural o desejo de justiça imediata. É meu desejo também, mas a justiça brasileira é lenta, temos uma investigação em andamento na qual estão a polícia federal e a polícia civil. Neste caso temos duas polícias, porque temos dois crimes: um contra o patrimônio público federal e possivelmente crime de racismo e xenofobismo, já que os ataques se deram somente contra africanos; temos uma investigação também sendo feita pela universidade; houve até coleta de DNA, porém essas investigações são lentas. Estamos trabalhando para pegar e punir os responsáveis o mais breve possível.

 

O SENHOR E A UNB FORAM DURAMENTE CRITICADOS QUANDO PELA PRIMEIRA VEZ NA HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE AFASTOU UM PROFESSOR POR PRÁTICAS DISCRIMINATÓRIAS. COMO FOI ISSO?
O professor punido tem muito acesso à mídia. Ele é um cientista político famoso e consultor político, frequentemente está na mídia, então era natural que ele utilizasse esse espaço para se defender. Nossa universidade não tem tradição de jogarmos ao vento os processos disciplinares e por isso mais uma vez fomos atacados de forma desigual.

 

NA ÉPOCA FALOU-SE MUITO NA MÍDIA EM “LIBERDADE DE CÁTEDRA” DO PROFESSOR QUE NÃO FOI RESPEITADO.
O que se discutiu naquele caso foi o direito de cada indivíduo. Você não pode, só porque é professor, ofender ou pisotear na sala de aula seus alunos por serem negros ou pertencerem a qualquer outro grupo social que não seja o seu. Isso é falta de humanidade e de profissionalismo e foi por isso que o professor foi condenado, porque violou as normas do serviço público. Não censuramos o professor e nenhum professor na UNB; cada um aqui tem direito de ser marxista ou de não ser marxista; de ser direita ou esquerda, ou seja, lá o que for. Só não tem o direito de humilhar nenhum aluno ou grupo social, pois isso é violar as normas do serviço público.

 

PROVAVELMENTE SUA FAMÍLIA E SEU CÍRCULO DE AMIGOS DEVEM SER TODOS BRANCOS. COMO ELES ASSISTEM À SUA LUTA E OS ATAQUES QUE O SENHOR TEM RECEBIDO POR SER DEFENSOR DE AÇÕES AFIRMATIVAS PARA NEGROS?
Muita gente que não aparece e não se manifesta publicamente são brancos e solidários a minha luta; o sentimento é que esta é uma luta pelos direitos humanos, pela inclusão social. Minha família tem sido inteiramente solidária; há preocupação, sim, pela regularidade com que sou atacado pela mídia, mas se tranquilizam, pois compreendem que estou trabalhando em algo que é urgente no país: a inclusão social no sentido amplo e irrestrito! Aqueles que são contra qualquer tipo de ação neste sentido, imaginando que um país de paz e tranquilidade será possível sem esses avanços, estão enganados. O Brasil do jeito que está, com essa exclusão toda, vai explodir a qualquer momento, é só uma questão de tempo. O que esses setores não entendem é que estamos dando uma opção diferente para essa explosão iminente. É nossa missão dar oportunidade para as pessoas que vão assegurar nosso futuro como sociedade, como seres humanos, sem que simplesmente caiamos na barbárie. E minha família e meus amigos entendem isso!

 

QUAL O MAIOR RISCO QUE O SENHOR VÊ PARA AS AÇÕES AFIRMATIVAS HOJE NO BRASIL?
A injustiça e a desigualdade são tão gigantescas que existe uma pressão muito grande dos movimentos negros para que haja avanços em ritmos acelerados. A resistência na sociedade branca também é muito grande e, quando estamos entre esses dois pólos, aí vem o desafio: como avançar na igualdade de maneira a assegurar continuidade e evitar que em algum momento aconteçam falhas, pois aí o outro lado estará pronto para dizer: está vendo; isso está errado, como foi a tentativa que fizeram de nos desqualificar no caso dos gêmeos. Então, para quem está no meio, é como se estivéssemos caminhando na direção de uma navalha e tivéssemos que fazer de tudo para desviar. Por isso o aconselhamento com o pessoal do movimento negro, o pessoal dos direitos humanos e da academia é vital para não errarmos, mas o risco é sempre iminente.

 

COMO O SENHOR DESEJA SER AVALIADO DAQUI A 10 OU 20 ANOS?
Desejo que eu e a UNB sejamos avaliados como quem produziu vitórias permanentes para a sociedade brasileira.

 

NA SUA OPINIÃO, O QUE O PAÍS DEVERIA FAZER PARA ACABAR COM A BRUTAL DESIGUALDADE ENTRE BRANCOS E NEGROS?
Existem várias experiências no mundo, como é o caso da África do Sul e dos Estados Unidos, que aplicaram soluções de longo alcance: algumas evidentes como oferecer escola de boa qualidade a seus cidadãos e a todos os grupos sociais nas periferias, nas favelas. Em todo lugar, a educação é um grande emancipador e a qualidade da educação no Brasil é um instrumento de exclusão, porque ela se distribui de forma totalmente heterogênea. Então os grupos sociais que têm acesso à educação de boa qualidade levam vantagem diante dos demais; outra forma seria espalhar as ações afirmativas por toda a sociedade. É mais fácil aplicar ações afirmativas no setor privado que no setor público, as empresas têm que assumir esta responsabilidade; elas têm que aplicar no processo seletivo de seus funcionários, diretores ajudando assim a diminuir e até acabar a diferença entre negros e brancos no país. Está comprovado que essas ações inclusive aumentam a produtividade e a criatividade.

 

QUE CONSELHOS O SENHOR DARIA PARA OS JOVENS ALUNOS COTISTAS QUE EM BREVE SAIRÃO DA UNB E VÃO ENCONTRAR UM MERCADO DE TRABALHO SEM COTAS E PROVAVELMENTE SERÃO QUESTIONADOS POR TEREM SIDO COTISTAS?
O diploma e a formação deles são iguais aos de qualquer aluno aqui na UNB. A diferença foi o acesso que lhes era negado pela discriminação histórica no Brasil. Eles aqui dentro e fora serão distinguidos, não existem nenhuma proteção ou tratamento diferenciado quando eles forem para o mercado de trabalho. Levarão uma grande vantagem: o diploma de uma universidade respeitada em todo o país e isso não será mais um privilégio apenas de uma grande maioria branca.

 

QUAL O SEU SENTIMENTO DEPOIS DESSES ANOS TODOS DE LUTA?
É o sentimento de ganho e que a causa dos direitos humanos não se larga. A forma de abordar a metodologia pode variar, mas a cara da universidade neste país mudou e este é um avanço para o Brasil!

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