Animai-vos, povo brasileiro 

Zulu Araújo

[Texto da EDIÇÃO 204/2018]

O conflito, a intolerância e a violência se fizeram presentes como nunca em nossa sociedade neste ano que ora se finda. A velha tese de que o brasileiro é pacífico e ordeiro, tema recorrente nos discursos oficiais, foi literalmente para as calendas e a sociedade brasileira revelou o seu lado mais tenebroso.

As redes sociais foi o espaço que protagonizou estas tensões e conflitos. Não importava se o assunto era política, religião, racismo, economia ou comportamento. O elemento que se fez presente em todos os momentos foi a intolerância. No falar, no escutar, no pensar e no perceber. Foi a expiação pública dos nossos demônios mais ferozes.

Milhares de pessoas tiveram suas reputações aniquiladas publicamente. O racismo – que é um crime – virou mimimi e a ode aos grupos de extermínio, virtuais ou presenciais, passou a ser o must do momento. Os exemplos mais gritantes dessa intolerância foram os assassinatos de Marielle Franco no Rio de Janeiro e de Moa do Katendê na Bahia. Foi o Brasil negando tudo aquilo que fora duramente conquistado nos últimos anos: democracia, respeito à diversidade, direitos humanos e liberdade de expressão.

Apesar dessa catarse que ainda estamos vivendo, parcela significativa da sociedade tem resistido bravamente a embarcar nesse trem dos horrores e tem lutado de forma corajosa contra esse verdadeiro culto à barbárie que está se espalhando país afora.

São homens e mulheres, negros e brancos, pobres e ricos, nordestinos e sulistas que acreditam firmemente que a liberdade, a igualdade e a fraternidade são bens universais e que devem ser cultivados e assegurados no Brasil.

Vale a pena lembrar que no mês de novembro de 2018, (novembro negro para 54% da população brasileira) também celebramos os 220 anos da Revolta dos Búzios, movimento libertário que em 1798 tentou colocar a Bahia na agenda civilizatória do mundo ocidental. Essa tentativa custou caro a muita gente, particularmente às quatro lideranças negras que estavam à frente desse movimento: Manoel Faustino, Lucas Dantas, João de Deus e Luiz Gonzaga das Virgens que, além de condenados, foram enforcados e esquartejados em praça pública.

Este exemplo histórico mostra que a brutalidade, a insensatez e o autoritarismo estão presentes em nossa história há muito tempo. Do mesmo modo que há muito tempo homens e mulheres da Bahia e de todo o Brasil lutam e doam suas vidas para que estes princípios do iluminismo se façam presentes em nossa sociedade.

Quando celebrarmos mais uma vez o mês da Consciência Negra, temos o nosso grande herói Zumbi dos Palmares como referência maior. E invocamos mais uma vez as bandeiras da liberdade, igualdade e fraternidade, não como uma remissão ao passado. E sim para que sejam nossos faróis no presente, a iluminar esses tempos sombrios e virulentos que estamos vivendo. Mais do que nunca o espírito do manifesto lançado em 12 de agosto de 1798, pelos revoltosos de Búzios, bem como a garra, a determinação e a coragem de

Zumbi na resistência do Quilombo dos Palmares, devem ser nosso guia para que tenhamos, a um só tempo, serenidade e sabedoria na formulação de uma nova agenda política, tanto para o movimento negro quanto para a sociedade brasileira, que contemple os desafios destes novos tempos.


Toca a zabumba que a terra é nossa!

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