Se a população negra gera dinheiro, o dinheiro a ela pertence

Texto: Isadora Santos

Quantos brasileiros que não tem conta bancária você conhece? Em 2019, um estudo do Instituto Locomotiva mostrou que 45 milhões de brasileiro estavam desbancarizados. De acordo com o estudo, um em cada três brasileiros adultos não possuía conta em banco, normalmente eram microempreendedores individuais, ambulantes e autônomos que optam pelos pagamentos em dinheiro vivo.

60% dessas pessoas era formada por mulheres

70% eram pretas ou pardas

86% pertenciam às classes C, D e E

37 anos é a idade média das pessoas ‘desbancarizadas’

Nesse cenário, chegamos a 2020, ano de pandemia, com fechamento de comércios, necessidade de distanciamento social e milhares de pessoas que precisaram receber o Auxílio Emergencial, subsídio do governo para pessoas que ficaram sem renda no período de isolamento. O dinheiro foi pago por aplicativo e quem não tinha conta em banco teve que aderir ao app disponibilizado pela Caixa Econômica Federal para receber o dinheiro.

Começa aí uma guerra pelos desbancarizados. A crise pandêmica derrubou o número de pessoas sem conta no banco em 73% durante a pandemia. As demandas por serviços e compras online também foram fundamentais para esse processo de inclusão.

Fundadora da Conta Black, hub de serviços financeiros e de consumo, alocado em uma conta digital que nasceu com o propósito de atender desbancarizados que não têm acesso a serviços bancários, Fernanda Ribeiro conversou com a Raça.

RAÇA – A pandemia escancarou a quantidade de pessoas no Brasil que são desbancarizadas. A dificuldade de acessar a conta disponibilizada pela Caixa para receber o auxílio emergencial mostra como ainda precisamos avançar no assunto, considerando que muitas pessoas que perderam a renda eram empreendedoras. Pensam que falta um programa educacional que ajude esses empreendedores a se atualizar no mercado? Como tornar o assunto da bancarização mais acessível?

Fernanda Ribeiro – Situações como essas demonstram o que falamos há muito tempo, não basta oferecer “conta bancária” é preciso ter um olhar mais profundo. Quando relacionamos empreendedores ao acesso ao auxílio emergencial, é possível afirmar que eles ficaram em um “não lugar”. A maioria deles não conseguiu acessar as linhas de créditos, pois o valor disponibilizado para empreendedores pelo governo federal, foi destinado aos grandes bancos e esse não chegou à ponta. Considerando todo esse contexto, o empreendedor negro precisa de acesso: à credito, conhecimento, educação financeira. Hoje sinto que o foco está apenas na bancarização e não deveria ser assim.

RAÇA – Apesar de movimentar uma grande quantia em dinheiro como empreendedoras, pessoas negras sofrem com a dificuldade de acessar crédito no Brasil. Como criar uma fintech com os propósitos da Conta Black pode ajudar a democratizar o acesso dos negros ao dinheiro?

Fernanda Ribeiro – Nossa história tem esse ponto de partida, quando o Sérgio All (sócio-fundador), mesmo com o nome positivo, movimentação financeira comprovada, teve o crédito negado por uma grande instituição financeira, sem uma resposta plausível. Depois, aprofundando os dados dentro da rede de empreendedores negros próximos, descobrimos que essa é uma situação comum. Mais pra frente, estudos comprovaram esse dado, hoje sabemos que o empreendedor negro tem o crédito 4x mais negado, comparado a um empreendedor branco nas mesmas condições. A parte triste dessa história é que situações como essa, seguem acontecendo. Como Conta Black, temos como missão promover o acesso à capital e, sobretudo, proporcionar aos nossos clientes educação financeira, para que as decisões de crédito sejam assertivas. 

RAÇA – Qual a importância de democratizar o uso de serviços bancários entre as pessoas negras? Como a Conta Black pretende fazer o trabalho de ampliar o acesso de pessoas pretas aos bancos?

Fernanda Ribeiro – Por muito tempo fomos ensinados a demonizar o dinheiro, numa estratégia colonizadora, diga-se de passagem. Muito se ouve, entre os nossos, que dinheiro “não traz felicidade”, “é motivo de briga”, “é sujo” e por aí vai. Em paralelo a isso, foi criando uma construção coletiva, que também é um reflexo da atual estrutura de poder, de que a figura mais próxima e representativa do dinheiro é de uma pessoa branca, reforçando essa limosidade. Quando criamos um negócio que proporciona a democratização aliada ao conhecimento, é uma combinação emancipadora. Principalmente quando dados nos dizem que 72% dos brasileiros adultos e economicamente ativos estão em situação de endividamento. Quando cruzo com os dados populacionais do IBGE, eu já sei que a maioria desses, são negros. Indo um pouco mais além, quando olhamos o lucro declarado pelos grandes bancos nos últimos anos, mesmo em momentos de crise, sabemos que existe um modelo de negócio que se perpetua (e que é lucrativo) que ganha rios de dinheiro em cima do endividamento de pessoas pretas. A Conta Black se propõe a nadar contra essa maré, oferecendo produtos e serviços financeiros que respondem às demandas específicas da nossa população.

RAÇA – Acham que só com a criação de fintechs e bancos negros conseguiremos acessar crédito? Acreditam que as instituições tradicionais e formadas por uma maioria branca serão capazes de promover alguma mudança?

Fernanda Ribeiro – Acredito que esse é um dos caminhos, pois como fundadores negros, vivenciamos essa dor. Precisamos de empreendimentos que consigam olhar de maneira empática e que solucionem nossos problemas. O que vejo nas grandes instituições é que falta genuinidade, isso muito se dá pela falta de representatividade nas cadeiras de decisão. O que resulta muitas vezes em iniciativas pouco efetivas.

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