“Pretos no topo! E eu falava sério”  

Onde fica a máquina de café? Perguntei para a copeira, no primeiro dia na empresa. 

_ Neste andar, só que na sala dos diretores. Ela respondeu.

_ Ah, vou lá então.

_ Acho que você não pode entrar lá.  Falou com voz trêmula.

_ Oi? Como assim não posso entrar lá?

Não sei o que ela pensou. Se eu não podia ir até lá porque sou preto (e ela também), com cabelo black power, e uso camiseta e jeans. Ou porque é raro ver executivos negros nas empresas. E o lugar do café deles é outro.   

“Preto e dinheiro são palavras rivais? É? Então mostra para esses c* como é que faz!”. 

Quem aprendeu a enxergar somente a cor não alcança as histórias. Imagino que, no escritório, viam, apenas, mais um homem preto. 

_ Como assim, diretor executivo? Você estudou fora? No MIT? Caramba! 

_ E você estudou em escola pública? Como aprendeu inglês?

Quem vê close, não vê corre! Infelizmente, a gente ainda é a exceção. E muitas vezes visto como exemplo de “meritocracia”.

_ Olha lá! É só correr atrás que você consegue, fulana!

Não sei se é ingênuo ou leviano achar que atravessar as camadas da desigualdade é uma questão individual, uma conta matemática de esforço e dedicação. Infelizmente, para cada um Juliano, há dezenas de outras pessoas pretas que ficam pelo caminho.  

De cada 20 executivos(as) no Brasil, 1 é preto ou preta¹. Eu sou um deles. E quando olhava para o lado nas reuniões, quase sempre, era o único. Exemplo: 2017. Reunião com investidores em São Paulo. 15 pessoas na sala. Uma mulher. Branca. 

Quatros estrangeiros. Duas pessoas pretas. Eu e a faxineira. Ao me tornar executivo, me dei conta do mundo monocromático de quem toma decisões nas empresas: 50 tons de branco. A estatística incomoda.

Volta e meia, ouço o seguinte: 

_ Somos uma empresa antirracista. Temos ações no mês de novembro. Já temos um grupo de diversidade aqui. 

_ E quantos líderes participam? Pergunto. A resposta começa com um: 

_ Veja bem… 

Numa outra ocasião, numa vaga para executivo, sugeri buscar uma profissional negra. Indiquei algumas pessoas e, ao final, justificaram que não conseguiram encontrar ninguém. 

_ Era muito difícil e temos urgência, responderam.

Fato é que a contratação de novas lideranças depende da rede de contatos. Conta ter estudado na mesma escola ou faculdade renomadas. Morar no mesmo bairro. Jogar tênis no clube. Um padrão na maioria das empresas e que exclui grande parte da população, sem acesso a esse universo.

Romper com o status quo é complexo, porque é estrutural. O preconceito está no olhar, nos detalhes. Então, gosto de perguntar:

_ Turma, cadê as imagens das pessoas negras no nosso site? Nosso público não tem esse cabelo nem tom de pele. 56% dos brasileiros são negros.

Todas as ocupações são dignas, que fique claro. Mas quem é líder, pessoas brancas, principalmente, precisa ser intencional e consistente nas ações de representatividade e inclusão. Se o assunto ainda não incomoda e você não se sente responsável, nada vai mudar. 

Não é uma questão de ser politicamente correto. Diversidade traz inovação, criatividade e, sim, mais lucro. O desafio é imenso, mas dá muito orgulho ver outros cabelos black power aparecendo e saber que sou parte desse movimento de visibilidade e de espelhamento. Afinal, a neta daquela copeira só vai sonhar em ser diretora se enxergar outras referências negras no topo das decisões. 

¹ DJONGA, in. BK. O mundo é nosso. Disponível em: https://www.letras.mus.br/djonga/o-mundo-e-nosso /. Acesso em: 11 maio 2023. 

² https://noticiapreta.com.br/estudo-mostra-que-apenas-47-dos-negros-ocupam-cargos-executivos-em-grandes-empresas/  Acesso em: 11 maio 2023

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