A Historia por trás de um grande historiador 

Ibrahim K. Sundiata é um grande amigo da revista Raça e estudioso americano da história da África Ocidental e afro-americana. Recebeu sua educação de graduação na Ohio Wesleyan University (BA, 1966) e um Ph.D. (1972) na Northwestern University, onde estudou com Ivor Wilks. Ele é atualmente o professor Samuel J. e Augusta Spector de História e Estudos Africanos e Afro-Americanos na Brandeis University. Sudiata é uma pessoa incrível que a revista Raça tem o grande prazer de entrevistar nas Páginas Pretas deste mês.

Para começar esta entrevista, gostaria que você me falasse um pouco de você: quem é o Ibrahim Sudiata?

Eu sou o historiador norte-americano, ou melhor, africano-americano, ex-diretor de história da Howard University. A universidade mais velha e mais famosa para nós, afrodescendentes. Também um bolsista de Haward, por muitos anos fui diretor de história e estudos afros em Brindisi, universidade perto de Boston e, para completar, sou ex-sócio do Conselho de Assuntos Exteriores

E sua família? Conte um pouco sobre esse legado.

Com muito prazer (risos). Meu pai era advogado, ele estudou Direito, depois da guerra, pois ele chegou a participar da guerra. E quando retornou, chegou com vários problemas. E estudou, estudou, estudou, estudou Direito, mas nunca conseguiu grande posto Os amigos dele são juízes, grandes advogados. Pessoas da burguesia negra. E ele sempre ficou de fora da burguesia negra. Ele sempre ficou com raiva deles! Minha mãe era professora de escola primária. Ela é do extremo sul de uma região muito pobre, mas muito pobre mesmo da Louisiana com fronteira com o Texas. Meu pai era do Norte! Eles eram negros, livres; livres, mas pobres. E eu tenho apenas uma irmã, que é advogada.

Analisando um pouco sua fala sobre a “Burguesia negra”. Aqui no Brasil nós temos agora o começo desta “burguesia”. Você acha que nos Estados Unidos existem divisões de classes dentro da comunidade negra?

Sim, o que aconteceu em 1959 é um sociólogo negro, chamado Frazier. que publicou um livro com o nome “The black bourgeoisie” – A burguesia negra. Todo mundo ficou com raiva dele. “Como você pôde apresentar ao público branco que existe essa burguesia negra?”. A burguesia negra? foi uma coisa pequena. Professores da escola primária e secundária, pessoas que trabalhavam nos correios, pessoas trabalhando nos hospitais segregados a negros. Foi um grupo pequeno, mas também foi um grupo conservador respeitável, sempre bem vestido, sempre na igreja e às vezes falando muito mal das massas dos negros, compreende?

Existe uma grande diferença com a “pequena Elite negra” do Brasil?

No Brasil eles têm muito uma questão de mérito, né? Eu tenho isso, porque eu tenho um mérito, os outros não têm. Nos Estados Unidos é um pouco diferente, porque quando as cotas começaram, a elite negra aproveitou primeiro, porque eles é quem tinha mais oportunidades do que uma pessoa que não tem um segundo grau ou uma pessoa que não participou na faculdade. Então, as ações afirmativas, no início, beneficiaram a elite, porque a elite tinha acesso à faculdade, educação, muitas coisas que a maioria não tem. Agora, existe um tipo de crítica, porque temos prefeitos negros, tivemos um presidente negro, agora temos uma vice-presidente negra. Mas também temos miséria, temos guetos. Temos pessoas que só conseguem escrever seu nome e nada mais. Essas pessoas não entram nas cotas e acho que no futuro vamos ter um debate entre nós e a Elite. Eu não tenho nada contra a elite. Mas precisa ser falado sobre a ajuda da elite para com a massa. Nós temos um dever de sempre unir mas nunca fugir.

Você acha que além da questão de raça entre negros também existe a luta de classes?

Sim. Eu vou dizer isso de uma maneira bem séria. Eu acho que às vezes o brasileiro tem mais conhecimento e está pensando mais sobre classe com negro do que o norte-americano. Uma mulher, Nikole Hannah-Jones, publicou um artigo em 1919, no New York Times, enorme. E no final ela coloca uma frase “O negro não tem classe”. Alguém perguntou a ela sobre isso? “Fale, por favor, senhora, você é famosíssima, você tem dinheiro, é uma jornalista renomada, diga o porquê disso. E ela disse: Eu não quero falar de classe. Temos uma Oprah, temos um LeBron James, temos as pessoas que têm o dinheiro. Isso é bom para nós. Para nós? Ok, nós temos bilionários. A divisão entre negros e brancos de renda é enorme, a família branca ganha cinco vezes mais do que a família negra. Como nós podemos falar de classe? Compreende? Mas geralmente quando eu estou falando como as pessoas, eu digo: é melhor ter um grupo de bilionários negros que podem dar esmola aos negros pobres! Fico pensando: Seria melhor ter negros entrando na classe média ou classe média baixa, claro que entrando na classe média seria muito melhor. Agora, temos uma coisa nos Estados Unidos que se chama and class ou seja subclasse, as pessoas tão pobres que eles não são da classe média baixa. Acho que isso é ruim. Temos que falar de classe.

É melhor reduzir a pobreza do que reproduzi-la, né?

Sim, eu posso dizer uma coisa que é difícil explicar em português, mas eu vou tentar (risos): um marxista, negro não famosíssimo, diz: seria ótimo ter divisão de classe 20% da população como donos de 90% da riqueza. Somente importa para eles que 10% da população seja a elite negra. Compreende? Algumas pessoas, sim. Somos parte da porcentagem 10% da população seja a elite é negra. Compreende? Algumas pessoas sim. Somos parte da porcentagem 10%. Não importa a pirâmide de classe, ele está em contra e eu estou em contra. Estou muito feliz. Isso é nosso. Você falou da minha família. Meu pai, durante a grande depressão econômica, fugiu de casa. Ele ficou morrendo na rua. Por isso a mentalidade sempre foi um pouco diferente. Ele entrou na faculdade, mas não gostou. Ele não foi aceito. A fala dele, a roupa dele e por isso não tem influência comigo. Eu nasci depois de tripla depressão. Mesmo sendo a maioria da população.

Você acha que avanços como a eleição de um presidente negro se deu muito mais por conta da questão econômica, educacional ou política americana?

Eu acho que por conta da política e da educação. Acho que no assunto de classe, não. Nem tanto. Acho que é muito importante ter um presidente negro e também uma vice-presidente negra. Mas uma coisa é Barack Obama. Ele é o filho de dois pais que se encontram onde? Na faculdade de pós-graduação, num país em que o negro não tem nem mesmo segundo grau. O simbolismo também é isso, poder ter negros na posição de poder, mas não o assunto de classe, esse não muda. Acho que no futuro vamos ter mais prefeitos, mais juízes, mais advogados.

 Mas e a miséria?

A miséria vai continuar, porque não elimina a miséria senão pela educação. Em inglês se chama Welf Gap, esse abismo de renda. E você sabe que agora existe movimento nos Estados Unidos entre muita gente da massa para reparações, para diminuir a diferença. Todo esse lenga-lenga sobre presidente, vice-presidente e juiz. Não! Vamos ter um programa para transferir a riqueza branca ou, melhor dizendo, parte dela para a população negra! Esse papo é forte, mas nunca passa. Todo mundo está falando, mas ninguém leva isso para frente e faz!

Você é um cara que nasceu nos Estados Unidos, viveu muitos anos e vive até hoje, porém, tem casa aqui no Brasil, em Salvador. Por que Salvador e por que este olhar aqui para o Brasil?

É difícil, mas estou escrevendo um ensaio sobre isso, sobre turismo africano-americano no Brasil. São três livros sendo dois de sociologia e um de antropologia. Eu acho que o Brasil é bom porque estamos em casa, né? O africano americano se sente à vontade na Bahia, onde sua maioria é afrodescendente. Isso é muito bom, é maravilhoso. Eu estou falando com pessoas maravilhosas aqui! Eu estava conversando com um colega que está sempre me visitando aqui e ele disse: Eu pensei em morar na África, mas na África, eles não se parecem comigo e também eu não quero aprender outro idioma. Eu falo espanhol, eu falo o português. E também aqui eu posso ser uma pessoa qualquer. Isso é bom. Ao mesmo tempo. Infelizmente, eu tenho que falar a verdade, né? Estou preocupado. Porque tem pessoas que estão aqui. Para ser expatriados. O que é expatriado? É a pessoa que mora fora do país, da pátria, mas tem a mentalidade na pátria. Por exemplo: Encontrei algumas pessoas que vieram pra cá muito antes de mim, estabilizaram-se aqui e quando você pergunta: Você tem amigos brasileiros? Não! Você fala português? Não, porque aqui eu tenho empregado, faxineiro e advogado, então eu não preciso falar! E então, por que eu estou escrevendo esses livros? Não estou escrevendo por estar, eu não quero escrever só pelo calor do momento. Eu quero ler com tato, porque talvez esteja errado. Mas tem livros com números e fatos sobre situações como essa e muitas outras.

Agora em tom de provocação, eu pergunto a você: você conhece algum lugar do mundo onde o negro esteja bem?

Quando o negro esteja bem, eu acho que é questão de classe Olha o que vou te falar, temos dados comprovando. Nos Estados Unidos o negro emigrante ganha muito mais do que o africano-americano. São mais formados, não moram nos guetos, moram nos bairros brancos integrados e são formados! Onde eu moro e moro perto de Haward, temos muitas pessoas para estudar física, matemática, geralmente as ciências da África ou Caribe. Acho que eles não têm no dia a dia essa mesma tensão, compreende? Uma pessoa pode morar lá, tem uma boa vida e vou te dizer uma coisa chocante: O negro que somente fala inglês tem outra tradição.  Por muito tempo o negro tem uma cultura inferior, tem uma maneira de falar inferior etc. O negro não é uma pessoa que tem uma cultura á fora. Angela Davis contou um episódio da juventude dela uma vez que: Ela estava em um trem com a irmã dela e passou um funcionário que pediu o ticket e disse que elas não poderiam ficar na primeira classe. Ela então olhou para a irmã e começou a falar em francês. O racista falou: ah! São francesas, desculpe senhoras! Compreende? Compreende isso? Eu tenho um amigo, grande amigo, que passou mais de 50 anos nos Estados Unidos, mora num bairro judaico, tem uma casa enorme, tem dois filhos na faculdade e ele está fingindo ser algo sabe? Ele é muito formal, sempre, sempre. Nunca o vi casual. E ele não tem contato com negro, com africano-americano.

Quando o que você acha ou como que você acha que nós vamos resolver a questão racial? Por onde começar? Quando é que a gente vai eliminar o racismo?

Eu acho que não vamos eliminar durante a minha vida, apesar de ser muito mais velho do que você (risos). E eu acho que talvez em 50 anos, ou coisa assim. Eu vou dizer uma coisa assustadora. Eu acho que aqui no Brasil, falando sério, vocês têm que lutar contra o classicismo. Em 1914, o presidente Theodore Roosevelt visitou o Brasil. Ele publicou um artigo com o título “O Negro no Brasil” e falou uma coisa escandalosa. Falou uma coisa que um americano não pode dizer. Ele não foi mais presidente, aposentou-se. Mas ele disse: Eu acho que o Brasil tem problema de classe! Mas eu acho também que o Brasil um dia será o futuro da raça humana, porque eles vão lutar contra a classe. Eles não têm essa coisa de sangue puro ou impureza de sangue, que existe nos Estados Unidos. Sangue de macaco. Essa divisão que ele escreveu. Ainda temos essa divisão e teremos até o fim do mundo. Por ser ele esse presidente republicano, mas meio liberal, ele disse que o Brasil tem que enfrentar a classe, mas em 100 anos! Ele não foi correto. 100 anos já se passaram. Ele não sabia assim como eu não sei, mas um dia eles vão ter um sistema de classes integradas… A minha impressão é que o dia que o Brasil resolver o problema econômico e educacional, nós não vamos eliminar o racismo, mas ele vai ficar muito mais fraco.

A minha impressão é que o dia em que o Brasil resolver o problema econômico e educacional, nós não vamos eliminar o racismo, mas ele vai ficar muito mais fraco.

Eu acho que isso é verdade. Eu estou lendo agora sobre jovens que dizem que raça é perdurável! Vamos ter raça nos Estados Unidos para sempre, porque as raças são negros radicais dizendo que o branco e o negro são animais diferentes. Você compreende que vai ficar até o fim do mundo. É a meta da sociedade e da igualdade de coisas, de bens. Mas porque são animais diferentes ou seres diferentes, até o fim do mundo, a sociedade vai ficar dividida. É diferença de cor e muitas outras coisas. O problema é a ideia de separação, mas nada funciona quando as coisas estão separadas, o negro sempre está recebendo menos, né? Eu estou encontrando jovens negros que ficaram com faculdades no século XIX, mas pense assim uma faculdade negra no século XIX foi mais ou menos uma escola secundária. Compreende? Não foi um grau, foi uma coisa sempre inferior. Eu acho que agora temos que ter mais igualdade de renda.

Se tivesse que mandar uma mensagem para os negros e negras que são assinantes desta revista, que compõem esta revista, que mensagem você daria?

A raça existe aqui como revista, né? E eu acho que não temos mais a Ebony, não temos mais revistas fortes como essa. É muito triste. Agora está faltando uma revista em papel. E não é qualquer papel não, é tão importante isso. Ter uma revista sobre moda, misturada com política, misturada com ação é uma coisa que você precisa! Isso é uma coisa chocante. Tudo é chocante. Eu mostrei a capa e também o miolo de Raça a um grupo de africanos-americanos. Você sabe o que aconteceu? As moças falaram para mim olhando a moda. Eles têm negras no Brasil! Então é muito importante ter uma revista que trate de tudo com total dominância no assunto e que nos represente tão bem.

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