Black Tax e a ascensão da população negra
Black Tax é um termo de origem sul-africana que significa, em tradução livre, imposto negro. Este é um conceito importante para pensarmos sobre as cicatrizes estruturais que os quase 400 anos de escravidão deixaram no Brasil. Essas cicatrizes perduram até hoje, afetando a primeira geração de negros que começa a ascender e a ocupar novos espaços nos quais antes não estavam presentes.
Lembro-me de quando visitei a África do Sul, em meados de 2014, e me impressionei com a proporcionalidade de negros que estavam presentes nos mais variados estabelecimentos, inclusive nos de alta renda. E durante algumas conversas, pude descobrir um pouco mais sobre como lá, um dos países com maior contexto de ações afirmativas do mundo, negros alcançaram espaços, em termos de acesso à educação e mercado de trabalho, ainda distantes da realidade brasileira.
Não à toa, de lá trazemos este conceito, que nos faz refletir sobre como a primeira geração de negros a ascender socialmente e economicamente tem sobre si o peso e a responsabilidade de trazer consigo, no processo de ascensão, familiares, amigos e por vezes toda uma comunidade.
Reforço aqui que poder ajudar não é somente louvável, como também é um anseio que temos. A questão, no entanto, é a obrigatoriedade implícita que recai sobre profissionais e intelectualidades negras em ascensão de corrigir, em particular no seu círculo familiar e até de amigos mais próximos, as desigualdades geradas, politicamente e socialmente, ao longo do período de escravidão e abolição no Brasil.
Isto faz com que não só paguemos um preço financeiro, mas também mental, emocional e psicológico, que pouco é levado em consideração nos espaços nos quais estamos. Por exemplo, o quanto este tema tem sido abordado em grandes empresas brasileiras para ampliar a compreensão de todos sobre a realidade dos altos executivos (gerente e acima) que estão ali, lidando além do fato de serem os únicos e primeiros negros nesta posição nas empresas? Afinal, como mostra o estudo Diversidade, Representatividade e Percepção – Censo Multissetorial da Gestão Kairós, negros são somente 17% da liderança no nível gerente e acima e mulheres negras apenas 3%, sendo muito provavelmente os primeiros de sua família a terem a oportunidade e o direito ao trabalho justo.
Por isso mesmo, nos Programas de Aceleração de Carreira de Profissionais Negros da Gestão Kairós em grandes empresas, temos focado na temática do Black Tax, tanto com profissionais negros, para que ampliem seu entendimento e consciência sobre as pressões e situações cotidianas com as quais lidam a partir do seu êxito profissional, como também com seus gestores, em sua grande maioria brancos, afinal pessoas brancas são 79% da liderança das grandes empresas, para que possam assim dar o devido suporte na ascensão e desenvolvimento de profissionais negros, a partir da sua realidade e contexto social, econômico e cultural.
Lembrando sempre que o imposto negro contemporâneo foi gerado por um contexto histórico de anos de escravização da população negra, por isso, é impossível falar sobre ações afirmativas e programas de diversidade em empresas sem refletir também sobre esta questão. Sem levar isso em consideração, fica difícil avaliar se o imposto negro é uma ajuda voluntária ou mais um fardo do racismo estrutural brasileiro, que impõe à população negra que “ela mesma se resolva”, sem a devida atuação dos setores públicos e privados. Individualmente, um cenário que somente será resolvido com responsabilidade compartilhada.
Colunista: Liliane Rocha