Em São Paulo, Deus é uma nota de 100!
Cash is king é a régua do mundo corporativo para tomar decisões. É o primeiro mandamento, um fato imutável para a sobrevivência da empresa. “Não se paga boleto ou salário com abraço” é como explico que dinheiro faz parte do jogo e não podemos esquecer disso. Veja bem, não faço voto de pobreza. Dinheiro importa, sim, mas não compra tudo.
Essa verdade inconveniente afeta a todas as pessoas. Do porteiro ao presidente. Do preto ao branco. Mas em intensidade e medida diferentes. Veja bem, quem tem o poder tende a priorizar suas necessidades e seu bolso, seja nos salários, promoções, benefícios, etc. Agora imagine o efeito disso no cenário atual das empresas brasileiras em que a liderança é majoritariamente masculina e 90% branca.
Em suma, não existe agenda afirmativa, empresa antirracista ou pró-feminista, sem dinheiro no caixa. Infelizmente, ainda é raro um diretor defender, por exemplo, licença maternidade mais longa para mulheres e, muito menos, não demitir essa mulher retornando da licença. Período complexo de puerpério, amamentação e profundas angústias.
Ao mesmo tempo, vejo muitas empresas e executivos exagerando no clima “família” e na comunicação descolada para atrair clientes e manter colaboradores engajados. Entretanto, esquecem de avisar que, se a meta não for batida, ninguém mais é parente e a amizade nunca existiu. Na vida real, ninguém vai deixar de ser seu amigo por corte de custos.
_ “Não seja leviano Juliano! Aqui na empresa, levamos a sério a qualidade de vida das pessoas.”
Não tenho dúvidas. O que não se fala é que promover saúde mental, ou qualidade de vida, está subordinada ao lucro e ao bônus dos executivos. Não é fácil conciliar esses interesses, quase que opostos, dado que empresas têm inúmeros desafios, precisam inovar, etc. Mas a “cultura de amizade” não é sustentável, porque quando o bolso aperta, as expectativas se quebram. A frustração fica com o lado mais fraco da corda. E esse lado tem cor e o CEP é da quebrada.
Hipocrisia corporativa é um bom nome para essa conduta disfarçada de eufemismo.
Expressões como employee loyalty (lealdade do empregado, em tradução livre), marca empregadora e, claro, ESG são mandatórias em qualquer publicidade sobre a tal empresa. Não se engane. Sabe aquela promessa de político em campanha eleitoral? Se as organizações fossem o Congresso, o dinheiro seria o Centrão.
Cazuza cantava: “Faço promessas malucas, tão curtas quanto um sonho bom. Se eu te escondo a verdade, baby, é para te proteger da solidão. Faz parte do meu show”. Questiono é se queremos promessas vazias ou se preferimos o desconforto de ouvir, abertamente:
_ “Queremos você trabalhando com a gente. Somos um grupo de pessoas inteligentes, nos tratamos como família, desde que o lucro esteja garantido. Do contrário, a gente pode mandar você embora.”
Sem generalizar, há líderes que pensam diferente, mas quase nunca tem voz ativa ou aguentam a pressão. Anos atrás, testemunhei uma tentativa de atrair mais mulheres para vagas de liderança. Excelente, certo? Aumentar o prazo de licença maternidade de 4 para 6 meses era uma das iniciativas. Mas a conta não fechou. Financeiramente, mais tempo com os filhos era ruim para o negócio. Assim, os homens seguiram na liderança, decidindo pelas mulheres.
Infelizmente, o discurso da organização sustentável, antirracista é quase uma heresia nesse mundo em que “Deus é uma nota de 100”. Ser racista ou poluir o meio ambiente, ainda compensa. A dura realidade é que, apesar da nossa ânsia por mudança, mais oportunidades e reparação, a caminhada é longa. Desistir não é uma opção para quem quer um futuro melhor. Mas prepare-se pois, nessa jornada, vai ter muito “coração ferido por metro quadrado”.