100 anos de Ruth de Souza
Dia 12 de Maio sempre será um dia de celebrar a arte. Hoje a atriz Ruth de Souza completaria 100 anos. E a Raça relembra a ultima entrevista dada pela irreverente Ruth para a Raça.
Modismo é algo que Ruth de Souza não faz a menor questão de seguir. E não é de agora. Ela lembra que sua criação – até os nove anos de idade em uma fazenda em Minas Gerais e depois em Copacabana, famoso bairro da zona sul do Rio de Janeiro – deixou-a ciente de que correto é aquilo em que ela acredita e seus pais lhe passaram como tal.
RAÇA: Dona Ruth, a senhora segue cheia de vigor e amor ao trabalho. Aos 97 anos, sabe que ainda pode produzir e contribuir pela arte. Como vê o cenário atual, os atores e atrizes negros chegando aos poucos a papéis mais relevantes na TV, no teatro e no cinema?
Ruth de Souza: Melhorou, né? Agora já dá pra nos reconhecer em mais lugares. Não está maravilhoso, mas avançamos muito! Sonhamos tanto em ter negros protagonistas e tivemos Taís Araújo e Lázaro Ramos lavando a alma de todos nós, artistas negros, atuando nos papéis principais. Satisfeita? Não estou. Falta muito a percorrer. Mas reclamar não adianta, é preciso fazer acontecer. E tem muita gente fazendo.
R: Como a senhora lida com a idade? As oportunidades de trabalho diminuem por conta disso?
RS: Eu não conto o passar dos anos. Vivo! Quando completei 60 anos, ou seja, meio século mais uma década, eu decidi parar de contar. E sem planos. Vivo um dia após o outro, feliz. Estou fora da TV porque não há personagens para idosos. Mas meu trabalho mais recente ainda não foi ao ar e é justamente com essa temática, a melhor idade, aliás, a maravilhosa idade pela qual estou passando. É a série “Se Eu Fechar Os Olhos Agora”, inspirada no livro de Edney Silvestre. O autor, Ricardo Linhares, escreveu um personagem para mim. Faço a Madalena, idosa que morre ao guardar um segredo. Eu nunca deixei de trabalhar. Nunca! Ah, em maio deste ano eu fiz uma participação muito legal em “Mister Brau”, meu coração inflou de orgulho de estar ali com a Taís e o Lázaro, brilhantes como artistas principais, cheios de talento. Que conquista!
R: Aposentadoria, então, não está nos seus planos…
RS: Claro que não!
R: A senhora acompanha as novas tecnologias?
RS: Odeio! Olha, eu fico louca com esse negócio de selfie. A pessoa te dá uma gravata e te obriga a sorrir. Não dá pra entender… Não importa um diálogo, sequer um cumprimento. Gentileza zero. Te pegam pelo cangote e gritam no seu ouvido. Tenho pavor. E telefone celular, como pode acabar com a conversa tradicional? As pessoas estão frente a frente, mas se falam pelo teclado. Não entendo, não gosto. Mas se me pedirem a tal da selfie, eu faço, até porque nem dá tempo de pensar. Ainda bem que estou sempre arrumadinha.
R: A senhora é muito vaidosa?
RS: Sou! Gosto de andar direitinha, sem extravagâncias. Acredita que eu nunca andei de salto? Sempre de sapatinho baixo, sem perder a elegância. Cabelo arrumado, roupa limpa e vistosa. Não gosto de modismos. Nunca gostei. Esses cabelos de agora, por exemplo. Veja só se vou andar com os cabelos todos pra porque sou negra e está na moda? Desde que me entendo como Ruth, minha mãe mantinha meus cabelos bem penteados. E eu sigo assim até hoje. Não sou menos negra ou menos empoderada do que ninguém por achar feio esses cabelos que enchem a tela da televisão. Não gosto.
R: Não há um artista, seja de qual área for, que não exalte a senhora e não reconheça sua enorme e crucial contribuição pela arte. Como a senhora se vê?
RS: Muito feliz por isso. Porque eu não tive uma referência negra. Isso me fez muita falta. Foram muitas barreiras derrubadas. Era tudo muito difícil e as oportunidades eram mínimas para nós negros. Começamos a ter uma luz no fim do túnel quando o Abdias do Nascimento (escritor e político) fundou o grupo Teatro Experimental do Negro. Ele era o grande líder da nossa causa. Naquela época, um ator branco era pintado de preto para representar a nossa gente. Quem diria que hoje em dia teríamos comerciais estrelados por negros? Aquela família completa, anunciando perfumes no dia das mães deste ano, foi de emocionar! O que é a elegância da Maju Coutinho, a classe da Cris Vianna? E esse menino que fez o Roberval em “Segundo Sol”, imponente, altivo! Somos lindos! Envelhecemos lindos, ninguém percebe. Aí você vê aquele monstro horroroso do presidente dos Estados Unidos, branco demais, chega ser vermelho, rosto estranho! Umas mulheres brancas enrugadas e quando você pergunta a idade, têm 40, 50 anos. Viva os negros brasileiros! Viva os artistas negros brasileiros que estão fazendo valer toda a nossa luta. Ela não para. Eu os aplaudo e me orgulho de cada conquista.
R: Nem sempre se aproveitam as oportunidades. A senhora agarrou as suas ou deixou passar alguma?
RS: A Janete Clair e o Dias Gomes que deram a mim e ao Milton Gonçalves a oportunidade de fazer todo o tipo de trabalho. A partir disso, nós negros deixamos de ser mostrados de forma ridicularizada. Eu sempre agarrei com unhas e dentes todas as oportunidades que tive. Sempre briguei e cobrei muito de todo o mundo para ter espaço. Comecei como empregada. Depois fui pianista e juíza. Conseguimos.
R: Sua vida virou samba através da homenagem prestada pela Acadêmicos de Santa Cruz, escola de samba da Série A do Rio de Janeiro. A senhora já havia se imaginado desta forma?
RS: Nunca! Quando o carnavalesco Cahê Rodrigues falou sobre a proposta, a emoção tomou conta de mim. Eu não sei como vai ser… Estou ansiosa por esse momento. A escola será a 4ª a desfilar na sexta-feira de carnaval, dia 1º de março, na Passarela do Samba carioca.