200 Anos do pacto racista da independência

2 de Julho de 2023, a Bahia celebra 200 anos de Independência do Brasil ocorrida de fato no Recôncavo Baiano, quase um ano após o proclamado Grito do Ipiranga de 1822. Apesar das celebrações entusiasmadas sobre o heroísmo do povo baiano, representado pelo caboclo e a cabocla, das heroínas Maria Quitéria, Maria Felipa e Joana Angélica, que simbolizam o exército de famintos, doentes e maltrapilhos que derrotaram o exercito português na Bahia, há um assunto que continua nos subterrâneos dessa história. Assunto grave o suficiente para incomodar todos aqueles que se dizem democratas e progressistas na Bahia. Qual a razão ou razões pelas quais a Independência do Brasil não foi acompanhada da Abolição da Escravatura?

Apesar de ser uma das demandas mais importantes na Bahia, desde 1798, quando da eclosão da Revolta dos Búzios que além das centenas de presos, degredados e chicoteados, levou a morte por enforcamento e esquartejamento de quatro negros que hoje fazem parte da galeria dos heróis nacionais: Luís Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas de Amorim Torres, Manuel Faustino dos Santos Lira e João de Deus do Nascimento, ainda assim o adiamento da abolição por mais sessentas e cinco anos, continua nos subterrâneos da história, seja da Bahia ou do Brasil. 

O curioso neste sentido, é que quer seja no campo daesquerda ou da direita parece haver um pacto de não acolhimento do tema como algo relevante e tentam apagar com a abordagem metafórica ou quase abstrata do sentido da liberdade. Até mesmo no campo acadêmico, no qual temos excelentes historiadores esse tema ainda é pouco abordado ou não teve a devida atenção. Talvez pelo fato de por a nu a origem do elitismo e do racismo baiano que estruturam nossa sociedade, seu imaginário e suas instituições. 

Não sendo historiador e por consequência não tendo a autoridade profissional para tratar da temática com a profundidade que ela merece, vou me valer da condição de cidadão e/ou uma das vítimas dessa empreitada histórica para tecer alguns comentários. Isto porque, subjacente àsbatalhas que foram travadas por indígenas, pretos forros,escravizados e brancos pobres que garantiram a Independência do Brasil sem a fragmentação que ocorreu na América Espanhola, houve um preço alto que foi pago. E quem pagou foram os escravizados e os seus descendentes. Isto porque o adiamento da abolição da escravatura comprometeu o seu futuro. Preço tão elevado quanto pagaram e continuam pagando até hoje os haitianos, por terem realizado a primeira revolução vitoriosa de escravizados do planeta terra. 

Do Haiti, a França juntamente com seus aliados europeus e os Estados Unidos cobraram aproximadamente 115 bilhões de dólares, ao longo de 122 anos que não só inviabilizou a nação haitiana como a jogou compulsoriamente na miséria eterna. Da população baiana ainda não foi calculado esse valor, mas com certeza não deve ser algo diferente. Os índices de analfabetismo, miséria, moradias indignas, violência extrema e exclusões de todas as ordens que a população negra tem sido vítima desde então, são incalculáveis e do mesmo modo que no Haiti, demonstram que a razão da miséria dessas populações não é a incompetência dos haitianos ou a preguiça dos baianos, mas a escravização e da vingança eu continuam sendo vítimas. 

Toca a zabumba que a terra é nossa!

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Mestre em Cultura e Sociedade pela Ufba. Ex-presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon - Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

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