Raça Indica: Lélia Gonzalez, de Alex Ratts e Flávia Rios

A indicação desta semana é sobre o livro de Alex Ratts e Flavia Rios, que conta a história da professora, intelectual e ativista Lélia Gonzalez, lançado em 2010. A obra é  referência para quem estuda relações raciais e de gênero. Também apresenta os lançamentos de Yorhán Araújo, Lucilene Manhaes e Fatou Diome.

Desde muito cedo, percebi que gostava de ler biografias e autobiografias, especialmente de pessoas negras. Naquela época, apenas fascinada pelas histórias de vida, não tinha noção da dificuldade que autores e autoras enfrentam para documentar a vida de uma pessoa negra.

Os processos de apagamento e a escassez de registros são um obstáculo e tanto. Um desafio que Alex Ratts e Flavia Rios buscaram superar ao escrever o livro “Lélia Gonzalez”, publicado pela Selo Negro Edições, no âmbito da coleção “Retratos do Brasil negro”.

São 176 páginas condensadas em um livro de bolso que, apesar de muito objetivo, apresenta muito sobre Lélia Gonzalez (1935-1994) e todo o contexto, especialmente de efervescência política que consolidou o nome dela entre as principais professoras, ativistas e intelectuais brasileiras.

O livro está dividido em três partes. Na primeira, Alex Ratts e Flavia Rios apresentam uma Lélia pouco conhecida. Passam pela infância, juventude até chegar na consolidação dessa personalidade negra como professora e tradutora. Os percursos traçados pela família e a própria vontade de Lélia são decisivos para sua trajetória profissional e, de alguma maneira, me informou o quanto isso tudo pode ter sido fundamental para que mais tarde ela pudesse transitar em muitos espaços estratégicos de um país em reconstrução em busca da redemocratização.

Na segunda parte, o livro vai apontando para a Lélia mais conhecida, com nome e sobrenome, que se conhece e se entende como uma mulher negra e começa, de fato, seu ativismo no movimento social negro. Ela coloca à disposição de muitas causas e lutas seu conhecimento. De certo modo, até “brinca” com suas habilidades linguísticas e de comunicação, como bem registraram o autor e a autora do livro. Aqui fica inequívoca a importância de Lélia Gonzalez para o movimento social negro, para o movimento de mulheres negras e por incansavelmente se colocar à disposição nas tentativas múltiplas de consolidação de uma democracia antirracista e antissexista, que infelizmente ainda não alcançamos.

Alex Ratts e Flavia Rios foram, na minha humilde opinião, muito felizes nessa parte do livro porque, a despeito da dificuldade de documentação, imbricaram parte da história do movimento social negro com a vida e o trabalho de Lélia Gonzalez em múltiplas frentes.

A última parte registra o último período de vida da ativista que, como muitos de nós, mulheres negras, foi atingida pela “incompreensão e o afastamento de pessoas que estavam ou podiam ser próximas”. O autor e a autora, para dar significado e profundidade a esse trecho, citam a também ativista e intelectual negra, bell hooks (1952-2021), que dizia que “se o amor cura, o desamor adoece”.

Lélia partiu cedo, com 59 anos, ainda com muitos desejos e planos, inclusive na academia. Deixou um legado imensurável que inspira e ensina muitos ativistas ao redor do mundo. Eu perdi a conta de quantos adesivos usei para marcar trechos do livro, que, decerto, servirão para momentos infindáveis de consulta e citação.  

Lançamentos

Ninguém é perfeito, de Yorhán Araújo

Devaneios traz divertidas reflexões do cachorro Sigmund e da raposa Freud, personagens do desenhista e criador de tirinhas e animações Yorhán Araújo. Com humor – e uma boa dose de ironia –, as 100 tirinhas desse livro falam de nossas dúvidas existenciais, mas também de carreira e trabalho, das questões de amor e paixão, de saúde e nossa relação com a comida e, claro, das nossas mais perfeitas imperfeições. Fonte: https://www.planetadelivros.com.br/livro-ninguem-e-perfeito/347459. Resenha na Revista Raça: https://revistaraca.com.br/%EF%BF%BC/

O último paciente: quando a luta pela vida desafia a ética, de Lucilene Manhaes

Este livro conta a história de amor vivida pelo paciente, sobrevivente de covid, Luiz Roberto e a Drª Marina, pneumologista responsável pela ala de pacientes entubados. Após atravessar vários dramas familiares e sentir-se impotente como médica, fazendo referência ao enfrentamento da pandemia, a Drª Marina encontra motivação por meio da luta pela sobrevivência de seu último paciente. Muita emoção e diversos conflitos marcam esse romance, levando o leitor a refletir sobre culpas e paixões humanas. Até que ponto estamos dispostos a adiar planos, a sacrificar carreiras sonhadas por nossos pais, para viver a vida que desejamos e experimentar a transformadora força do amor, tal qual ela se apresenta para nós? Fonte: https://www.amazon.com.br/%C3%9Altimo-Paciente-Quando-desafia-%C3%A9tica-ebook/dp/B09GD6ZV4G

Os Vigias de Sangomar, de Fatou Diome

Sangomar é um local desabitado onde, na tradição animista de Serer, se reúnem os jinns e as almas dos defuntos. Na ilha vizinha, a jovem Coumba inicia uma longa viuvez, reclusa. O marido foi uma das vítimas do naufrágio do Joola. Joola era um navio de transporte de passageiros, propriedade do governo senegalês, e que naufragou na costa da Gâmbia em 26 de setembro de 2002, deixando 1863 mortes e 64 sobreviventes. Estima-se que seja o segundo pior desastre não-militar da história marítima. A personagem Coumba, em Os vigias de Sangomar, quando as noites chegam, após a procissão de orações rituais e visitas obrigatórias, pode finalmente enfrentar sua dor, registrar boas lembranças e invocar os mortos. Então, seu quarto se abre aos vigias de Sangomar, espíritos de ancestrais e náufragos que lhe contam os seus destinos e que a conduzirão ao encontro de seu amado. Em Os vigias de Sangomar, Fatou Diome retoma os temas da migração — uma marca do seu projeto literário. Coumba é uma nova versão para a solidão da mulher migrante na França, a forasteira que luta para se conectar com uma sociedade estrangeira. Fonte: https://www.editoramale.com.br/product-page/os-vigias-de-sangomar-fatou-diome

 

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Jornalista com experiência em gestão, relações públicas e promoção da equidade de gênero e raça. Trabalhou na imprensa, governo, sociedade civil, iniciativa privada e organismos internacionais. Está a frente do canal "Negra Percepção" no YouTube e é autora do livro 'Negra percepção: sobre mim e nós na pandemia'.

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