Racismo faz empresa perder contrato de R$ 1 milhão
Uma denúncia de racismo envolvendo uma fornecedora homologada de seus serviços e um dos clientes desta prestadora, fez uma das maiores empresas de tecnologia do país, a Oracle virar alvo de uma ação judicial e um contrato de implementação de seu software no valor de R$ 1 milhão ser encerrado.
Em uma videoconferência para tratar da revisão de um contrato, o diretor-técnico da Proz Educação Juliano Pereira dos Santos, 37, afirma ter sido chamado de “negão” por Matheus Mason Adorno, representante da Optat Consulting. Por encarar que a colocação foi racista, o executivo entrou com processos na Justiça.
O primeiro foi na sexta-feira (24), contra Adorno, na comarca de Campinas (SP). O segundo foi contra a Oracle do Brasil Sistemas Ltda, na segunda (27), no Foro Regional de Santo Amaro, na capital paulista. Santos argumenta que a multinacional foi conivente com a postura de Adorno durante e após a reunião.
O episódio selou o fim de uma parceria entre Proz e Optat para implementação de um software de gestão financeira na nuvem da Oracle.
Orçado em R$ 1 milhão, o projeto foi repleto de trocas mútuas de acusações, uma guerra de notificações extrajudiciais e, agora, culmina em duas ações indenizatórias por danos morais no valor de R$ 50 mil cada.
Trabalho turbulento
Santos relata que, após seis meses de trabalho conjunto, o projeto não andava e apresentava erros básicos de implementação por parte da Optat. Reconhecendo que a Proz tinha a sua parcela de responsabilidade, ele diz que a empresa estava disposta a arcar com parte do prejuízo para “recomeçar do zero”. Durante uma reunião em outubro de 2021, a Optat propôs cobrar R$ 230 mil pelo retrabalho, que demandaria 1.800 horas. Ofereceu um desconto de 8% sobre o valor.
O executivo da Proz não gostou. Esperava que a Optat arcasse com metade do prejuízo, uma vez que a implementação inicial levaria só 200 horas. Sem sucesso, disse que havia indicou a Optat a outras empresas e, diante do novo cenário, havia perdido a confiança na parceria. “Como eles disseram que não iam ajudar, eu falei: ‘Pô, eu expus meu nome endossando o trabalho de vocês. Será que agora não seria o caso de alertar essas empresas sobre o que tá acontecendo conosco?’.” A resposta de Adorno, segundo Santos, foi a seguinte:
“Aí não, negão. Aí você quer me foder.”
Até aquele momento, ambos só tinham conversado uma vez. Para Santos, o tratamento dispensado por uma pessoa que mal conhecia e durante uma reunião de trabalho só tinha uma explicação: racismo. A reação, relata, foi explosiva. “Eu disse: ‘Negão, o caralho’. Disse que não tinha desculpa, que não negocio com racista, que aquilo era crime e que não ia ficar assim”, conta.
Se viesse de um amigo, negro, e se a gente estivesse conversando num ambiente familiar, não teria problema. Mas num contexto de uma pessoa branca que eu não conheço, com quem não tenho intimidade, discutindo comigo uma soma de dinheiro considerável, é claramente agir de forma a me desmoralizar, e isso é inaceitável. É muito simples separar uma coisa da outra”. – Juliano Pereira dos Santos, diretor-técnico da Proz Educação
Santos diz que deixou de receber um bônus de R$ 30 mil por não ter entregado o sistema de gestão financeira até o final do ano passado. Ele afirma que não pretende ficar com a indenização caso ganhe a ação. Promete doar para bolsas de estudos em cursos de tecnologia. “Esse dinheiro precisa ser revertido pra incluir e formar novas lideranças negras na área de tecnologia, que hoje é uma área majoritariamente de homens brancos”, justifica.
A Proz informa ter contabilizado um prejuízo de R$ 400 mil para contratar outro fornecedor homologado pela Oracle para reiniciar o projeto. Mesmo assim, decidiu apoiar o funcionário.
O CEO da Proz, Eduardo Adrião, diz que a empresa “não tolera qualquer natureza de discriminação”. Em nota enviada à reportagem do UOL, ele afirmou que a companhia rescindiu o contrato assim que recebeu o relato do episódio de preconceito, notificou a organização e tomou outras medidas cabíveis. “Apoiamos e apoiaremos sempre nossos colaboradores em qualquer situação de discriminação vivida no ambiente empresarial”, diz.
Escola de educação profissional na área da saúde, a Proz nasceu da fusão de outras duas empresas, a ESSA, de São Paulo, e a Enferminas, de Minas Gerais.Entre seus investidores, estão a Fundação Roberto Marinho, o Instituto Criar, fundado pelo apresentador de TV Luciano Huck, e o empresário Jair Ribeiro, fundador do Banco Patrimônio, vendido em 1999 ao grupo americano Chase Manhattan (JP Morgan) em uma operação estimada em R$ 120 milhões.
Ribeiro se envolveu pessoalmente no caso de Santos. Foi ele que indicou à Proz a contratação do advogado Thiago Thobias, do Escritório Negro da Educafro.
Thobias lamenta não poder pleitear indenização maior. “Esse valor representa o mesmo que alguns centavos para uma organização que fatura US$ 40 bilhões por ano. É surreal, mas a legislação brasileira impõe limites que nos impedem de pedir um valor mais pedagógico”, explica.
O advogado explica que a Oracle foi acionada solidariamente por ter sido conivente com a situação, a despeito de conhecer o problema. Um representante da empresa participava da reunião. Depois de instada por Santos a acionar seus procedimentos de compliance, a Oracle informou em carta de abril deste ano que a Optat deixaria de integrar seu programa de parcerias comerciais.
Dessa forma, a Optat Consulting não poderá mais se associar à marca Oracle. As partes estão atualmente conduzindo negociações sobre a forma e data do encerramento da relação comercial. Finalmente, a ORACLE reitera seu compromisso com o pleno cumprimento da lei e adoção de prática empresarial ética e honesta, colocando-se à disposição de V. Sa. para os esclarecimentos que se fizerem necessários.” – Oracle, em carta enviado à Proz
No entanto, passados mais de 60 dias, a Optat continua como parceiro no site oficial da Oracle. Procurada pela reportagem, a Oracle Brasil prometeu enviar uma nota oficial, mas depois voltou atrás. “Como este é um tema ainda em andamento, não iremos comentar a respeito”, informou.
O que dizem os envolvidos
Contatado pela reportagem do UOL, o executivo Thiago Mason Adorno não quis se pronunciar. “Não tenho nada a comentar sobre o assunto”, declarou.
Odirley Bolzam, diretor de informações da Optat Consulting, não atendeu às ligações nem respondeu às mensagens de texto. A responsável pelo departamento jurídico da empresa, Marie Neves, também não atendeu a reportagem.
Em nome dela, outro advogado, Gustavo Maggione, respondeu no dia 3 de maio. Ele negou a existência do crime, alertou para a “reversão do ônus” no caso de quebra de sigilo do contrato com a Proz, mas disse que a Optat não comentaria.
O alerta já havia sido feito em email para a Proz assinado por Marie em 29 de abril. No documento, ao qual a reportagem teve acesso, a empresa alega ter sido surpreendida com ligações telefônicas de um repórter do UOL para solicitar sua versão dos fatos.
Mais depoimentos
“Diante de tal situação e sabendo que tais alegações são infundadas, ilegais e podem gerar inúmeros prejuízos para a nossa empresa, bem como com fundamento no contrato anteriormente assinado com V.Sas, que prevê cláusula de sigilo, mesmo após o encerramento contratual e a presente requer que: (i) cessem imediatamente qualquer ato ou ação contrário à cláusula de sigilo que ainda é vigente entre as Partes, bem como ato ou omissão que propagandeie notícia falsa ou infundada sobre a nossa empresa ou representantes sob pena de se tomarem as medidas judiciais cíveis e penais cabíveis”.
Marie Neves também é quem assina a carta de distrato que a Optat enviou à Proz no dia 26 de outubro, cinco dias após a videoconferência. Na carta de rescisão contratual por justo motivo, a Optat alega que “o senhor Juliano, em evidente estado alterado, proferiu diversas ofensas aos colaboradores da Optat. Ainda demonstrando claro descontrole emocional, alterou a voz por diversas vezes, inclusive ofendendo os presentes na reunião com ameaças infundadas”, conclui.
Presente à reunião, Júlia Secco, gerente de operações da Proz, contesta a versão da Optat. “O Juliano ficou transtornado, sim, mas isso foi depois que o Mateus chamou ele de negão”. Até então, pontua, Juliano estava “muito razoável” e disposto a dividir a responsabilidade pelo projeto. “Mas eles foram intransigentes. Cometeram erros claros e não assumiram nenhuma responsabilidade”, afirma.
Fonte: ECONOMIA UOL