Raça indica: livros
Você sabe porque a literatura negra é tão importante? Hoje em dia, temos inúmeros os autores que apesar das adversidades culturais, econômicas e sociais enfrentadas diariamente pela população negra, vêm transpondo barreiras, fazendo história e ganhando cada vez mais espaço nas estantes e no coração dos leitores.
A RAÇA preparou para esta semana 3 livros onde personagens e autores negros e negras retomam sua integridade enquanto seres humanos. CONFIRA!
CADERNOS NEGROS
VOLUME 43 – POEMAS AFRO-BRASILEIROS – Vários autores e autoras.
“Cadernos Negros é uma publicação de resistência em alto nível e já foi finalista do Prêmio Jabuti de Literatura”, escreve Martinho da Vila no texto de última capa do volume 43. Essa afirmação diz muito a respeito da série Cadernos Negros. Criada em 1978 por Cuti e Hugo Ferreira e organizada desde 1999 por Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa, a série tem sido vista como um marco de resistência afro no campo da literatura. Essa
resistência tem sido construída de forma coletiva e, desse modo, a publicação tem conseguido dar visibilidade a textos e autorxs afro-brasileirxs. Como nos outros volumes da série, o protagonismo e a subjetividade do povo preto estão em cena. No volume 43, essa subjetividade se cristaliza na forma de poesia. Como toda antologia, este volume traz textos diversos em termos de expressão, de abordagem estética, de ritmo e sonoridade. Alguns poemas provavelmente vão criar vida própria, força, e vão passar a habitar saraus e o imaginário coletivo. O livro foi organizado no ano de 2020 e reflete fatos que, nesse ano, impactaram a vida do Brasil e de todo o planeta,
como os casos de George Floyd, Ágatha Félix e João Pedro, além da pandemia. Nesse aspecto, a metáfora do sufocamento, da dificuldade de respiração, passa por muitos poemas. Entretanto, a alegria, a ancestralidade e a beleza também se fazem presentes. É muito grande a participação de mulheres escrevendo. Os Cadernos atravessam quatro décadas, já foram traduzidos para o inglês, já fizeram parte da leitura indicada de vestibulares de algumas universidades, como a Universidade Federal da Bahia, já foram finalistas do maior prêmio literário brasileiro, mas dificilmente figuram nas listas de livros indicados que circulam em blogs e sites da internet. A ausência nessas listas mostra que o legado de Cadernos ainda não está sendo adequadamente dimensionado; é um legado de resistência, mas vai muito além: é estético, literário e tem impacto no imaginário social. O número recorde de 65 autorxs que publicam neste volume 43 mostra bem a força da série.
PROVÍNCIA NEGRA
Kaled Kanbour e Kris Zulo
A história de Luiz Gama mistura elementos dramáticos e heroicos. O abolicionista, que viveu no século XIX, nasceu livre em Salvador, e foi vendido como escravo pelo próprio pai, branco, aos dez anos de idade. Alfabetizou-se anos mais tarde, conquistou sua liberdade e estudou direito de forma autodidata. Tornou-se advogado, poeta, jornalista e uma das figuras mais proeminentes da cidade de São Paulo. Orgulhava-se de dizer que era filho da revolucionária negra Luiza Mahin. Este livro de quadrinhos é inspirado em Luiz Gama, mas constrói uma história de ficção em que está em pauta a relação do poeta com o movimento abolicionista, ressaltando a grandeza e a dignidade do personagem. Na história, recheada com elementos mórbidos, um jovem chega a São Paulo procurando Luiz Gama, ao mesmo tempo que um barão está comprando os corpos de escravos mortos. Os caminhos vão se cruzar e o enredo, repleto de tentativas de assassinato, mostra o quanto uma sociedade escravagista pode adoecer a mente de uma pessoa, especialmente se for da elite. A trajetória real de Luiz Gama mostra a força, a determinação e a garra de um homem negro que ousou lutar contra as injustiças. Como advogado orgulhava-se de ter libertado mais de quinhentos escravos. Gama mostrava confiança na vitória em uma época de incertezas. Algo bem parecido ao que precisamos hoje em dia.
DECOLONIALIDADE E PENSAMENTO AFRODIASPÓRICO
Organizadores: Joaze Bernardino-Costa, Nelson Maldonado-Torres e Ramón Grosfoguel
Este é um livro que reúne a contribuição de diferentes autorxs engajados na produção do conhecimento a partir de suas localizações corpo-geopolíticas. A decolonialidade é um conceito que tem a ver com a resistência à colonização no âmbito do saber e com a afirmação de existência e de produção de novos conhecimentos por parte da população preta. Concebida como um convite para pesquisadorxs da negritude no Brasil pensarem
sobre suas contribuições ao mundo afrodiaspórico, a obra traz diversos artigos que abordam tópicos como a descolonização dos currículos, o feminismo negro, a convergência de pensamento de intelectuais como Guerreiro Ramos, Frantz Fanon e W. E. B. Dubois, o olhar sobre as ações afirmativas nas universidades a partir da concepção ubuntu de existências conectadas, e muitos outros. A produção de conhecimento da população negra sobre si mesma e sobre o mundo que a cerca não tem origem nos bancos acadêmicos, como afirma, num dos textos, Nilma Lino Gomes. “Isso surgiu na periferia, na experiência da pobreza, na ação cotidiana, nas vivências sociais, na elaboração e reelaboração intelectual de sujeitos negras e negros”, Nilma completa. A partir
dessa reelaboração, podemos descolonizar nossas mentes e cantar canções de liberdade.