Como funcionam as câmeras corporais da Polícia Militar de SP
Equipamentos passaram a ser utilizados em 2020 e, até o final de 2022, 62 dos 135 batalhões do estado adotaram a tecnologia. Medida resultou em uma expressiva queda no número de mortes de civis e militares. Câmeras gravam de forma ininterrupta.
Em 2020, por meio do Programa Olho Vivo, da Polícia Militar do Estado de São Paulo, alguns batalhões passaram a utilizar câmeras corporais nos uniformes dos agentes de segurança pública.
Até o final de 2022, 62 agrupamentos haviam adotado as chamadas câmeras operacionais portáteis (COP) durante a rotina policial. O que aconteceu? Uma expressiva queda no número de mortes de civis e de policiais.
A redução da mortalidade de adolescentes, por exemplo, chegou a 80,1% no estado. O dado faz parte de um levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em parceria com a Unicef divulgado nesta terça-feira (16). (leia mais abaixo)
Como funcionam as câmeras da PM de SP?
Uma das principais características das câmeras operacionais portáteis é que os policiais não escolhem se querem gravar ou o que vão gravar: o registro ocorre de forma ininterrupta.
As câmeras são fixadas junto ao peitodos agentes e permitem um ângulo de captação de imagens privilegiado e na altura adequada;
Nessa posição, é possível registrar os “eventos de interesse, como a tomada da maior parte do corpo das pessoas com as quais os policiais interagem, além da captação de regiões de interesse da ação policial, sobretudo suas mãos“;
A fixação é forte o suficiente para impedir que a câmera caia dos uniformes em situações mais críticas, como pular muro e se deitar no chão.
Gravação ininterrupta
Segundo o relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, as câmeras da Polícia Militar de São Paulo gravam de forma ininterrupta imagens e sons captados.
Os dados (imagens e sons) obtidos sem o acionamento da gravação são chamados pela polícia de vídeos de rotina;
Já os obtidos pelo acionamento proposital do policial são chamados de vídeos intencionais;
Para reduzir custos, a resolução das imagens dos vídeos de rotina é menor que a dos intencionais – e não armazenam o som ambiente;
Os vídeos de rotina ficam arquivados por 90 dias;
Já os intencionais ficam guardados por 1 ano;
Os policiais em serviço só podem retirar as COP em raros momentos(para ir ao banheiro e para fazer refeições, por exemplo).
Câmeras portáteis em números
Batalhões que incorporaram o uso das COP tiveram redução de 76,2% na letalidade dos policiais militares em serviço entre 2019 e 2022, enquanto nos demais batalhões a queda foi de 33,3%;
O número de adolescentes mortos em intervenções de policiais militares em serviço caiu 66,7%, passando de 102 vítimas em 2019 para 34 em 2022;
A vitimização dos policiais no horário de trabalho também apresentou redução, registrando os menores números da história nos últimos dois anos;
“Os dados indicam que as COP constituem um importante mecanismo de controle do uso da força letal e de proteção ao policial, mas também que a tecnologia configura um instrumento adicional que não deve ser visto como [solução] para os desafios relativos ao uso da força policial”, afirmaram os pesquisadores do FBSP.
Menor nº de mortes por PMs em serviço na história
A diferença nos números pré-COP e pós-COP é nítida, sobretudo na mortalidade de adolescente e jovens no estado de São Paulo:
Em 2017, foram 171 mortes provocadas por intervenções de policiais militares (MDIP) em serviço de jovens entre 15 e 19 anos;
Em 2021, ano seguinte à implementação das câmeras, foram 42 mortes (-75%);
Já em 2022, foram registradas 34 mortes, o menor número da série histórica (- 80,1%) compilada pelo Ministério Público de São Paulo no relatório Letalidade Policial em Foco;
Apesar da redução, entre 2020 e 2022, 171 jovens foram mortos pela PM;
“Estamos falando de uma interação muito violenta com adolescentes, que são estigmatizados como um grupo suspeito por definição, especialmente se pretos, pobres e periféricos”, disse ao g1 Samira Bueno, diretora do Fórum.
“Reduzir a letalidade provocada pela PM é oferecer perspectiva de vida para esse público, que vive sob a expectativa de ser vítima da violência policial”, apontou.
Vítimas de MDIP da PMESP em serviço por faixa etária (2017 a 2022)
Os pesquisadores destacam que, embora a letalidade provocada por policiais militares passe a cair a partir de 2018 entre crianças e adolescentes, a queda se acentua a partir de 2020, ano de implementação das câmeras operacionais portáteis (COP).
Alta taxa de adolescentes mortos
Em 2017, mais de um terço (34,7%) das mortes provocadas por intervenções de policiais militares tiveram como vítimas jovens de 15 a 19 anos, número inferior apenas à faixa de 20 a 29 anos, com 208 mortes (42,2%).
“O estado de São Paulo tem uma especificidade que é a alta letalidade provocada por policiais entre adolescentes. Enquanto a média nacional de adolescentes mortos em intervenções policiais é de 12%, em SP chegou a 35% em 2017, antes da implantação do programa”, explicou Samira
Em 2021, a proporção de jovens de 15 a 19 anos mortos (42) por PMs caiu para 14,3% do total (292);
Em 2022, o número total de vítimas foi o menor da série histórica (206), e a proporção de adolescentes mortos ficou abaixo da metade (16,5%) do que foi registrado em 2017.
“Com a implementação das câmeras corporais e outras medidas de controle, os adolescentes deixaram de ser o principal grupo vitimado pela PM”, destacou a diretora do FBSP.
Batalhões com e sem câmeras
De acordo com a pesquisa, “ainda que haja uma diminuição geral das mortes provocadas por intervenções da PM no estado, ao comparar os batalhões que fazem parte do Programa Olho Vivo com os demais, é possível observar uma tendência de redução da letalidade mais acentuada entre as unidades que aderiram ao uso das COP”.
Menos negros mortos
(mas ainda os que mais morrem)
O estudo também aborda o perfil racial das vítimas da violência policial em serviço:
Entre 2017 e 2022, 62,7% eram negros (pretos e pardos), 34,7% eram brancos, 0,1% amarelos, e, em 2,5%, cor da vítima não foi preenchida no boletim de ocorrência;
Entre 2019 e 2022, houve quedas expressivas nas taxas de letalidade: redução de 64,3% entre negros e de 66,2% entre brancos;
Entre 2017 e 2022, a queda da taxa de mortalidade entre negros (- 63,5%) foi maior que a entre brancos (- 58,3%).
No entanto, a pesquisa ressalta que, mesmo que a redução nas mortes acontecido de modo proporcional entre brancos e negros, a taxa de letalidade pela polícia segue sendo três vezes maior entre negros do que entre brancos.
Menos policiais mortos
O estudo apontou que a implementação das câmeras nos uniformes também reduziu o número de mortes de policiais em horário de serviço e fora. Em 2020, por exemplo, 18 PMs foram vítimas de homicídio enquanto trabalhavam; em 2021, foram quatro (- 77%); já em 2022, seis mortes (- 66%).