Autores negros esquentam mercado editorial com lançamentos
“Salvar o fogo”, “Dispositivo de racialidade” e “Guia essencial da beleza natural” estão entre os destaques
Nos primeiros meses deste ano, uma série de autores/as negros/as/es lançaram suas publicações. Alguns por grandes editoras como a Companhia das Letras, Todavia e outros o fizeram de forma independente.
Ainda que os desafios sejam muitos, estão movimentando o mercado editorial e nomes como Itamar Vieira Junior, Eliana Alves Cruz e Marcelo Moutinho, agraciados com o prêmio Jabuti 2022, também estão abrindo caminho para que outras publicações cheguem as vitrinas das livrarias e em lojas online de vendas de livros.
Antes de apresentar alguns desses lançamentos é muito importante dizer que a produção de livros por pessoas negras, para pessoas negras e sobre pessoas negras é antiga, consistente e segue em evolução. O primeiro romance escrito por uma mulher brasileira, foi produzido por uma mulher negra, Maria Firmina dos Reis, que em 1859 lançou “Úrsula”, que trata sobre as situações decorrentes da escravidão.
Além dela, muitos outros nomes podem ser citados, inclusive daqueles responsáveis por livros que se tornaram clássicos da literatura brasileira, como Machado de Assis, Lima Barreto e, de outro tempo, Carolina Maria de Jesus, entre muitos outros.
8 lançamentos de autores negros
Guia essencial da beleza natural, de Mona Soares
Em seu livro de estreia, lançado pela Companhia das Letras, a farmacêutica e especialista em manipulação cosmética, Mona Soares (@monasoars) prepara leitores/as para entrarem no mundo dos cosméticos naturais e assumirem uma rotina de autocuidado mais saudável de maior conexão com a natureza.
No livro, depois de um processo de autorreflexão sobre priorização e amor-próprio, a autora ensina a produzir cosméticos. Dividido em quatro partes, a publicação apresenta listas de ingredientes, com características e benefícios; receitas e cuidados e fala sobre beleza natural.
Mona Soares argumenta que a produção e uso de cosméticos naturais é apenas o primeiro passo numa mudança de hábitos que influencia positivamente diversos aspectos da vida de quem a pratica.
Rio, O Ori , de Valesca Lins
Lançado pela editora Appris, Valesca Lins (@valesca_linss), que é pedagoga, escritora e psicanalista, narra, em “Rio, O Ori”, uma cidade carioca fora dos cartões postais, sob ponto de vista de uma população invisível aos olhos de muita gente, mas que, ao mesmo tempo, construiu sua essência cultural tão festejada no país e no mundo.
Assim, a autora, dá vazão para vozes e faz, conforme ela mesma descreve, “um clamor por paisagens tingidas pela coloração de quem foi oprimido, na cidade do Rio de Janeiro. Histórias que têm inspiração em figuras como Marielle Franco, Xica Manicongo, Adrian Piper, Seu Ubirany e mestre Monarco desfilam por estes textos de densidades e levezas extraídas de vivências atuais e passadas de pessoas tidas como menos importantes, mas que modelam o Ori desta cidade que é cabeça”.
Colonialismo digital: por um crítica hacker-fanoniana, de Deivison Faustino e Walter Lippold
Lançado pela Editora Boitempo, o livro de Deivison Faustino (@deivisonnkosi), doutor em sociologia e professor na Universidade Federal de São Paulo e Walter Lippold, doutor em história e pesquisador do Núcleo Reflexos de Palmares é um ensaio que parte da descolonização tecnológica proposta por Frantz Fanon, em sua experiência revolucionária na Argélia, para provocar um debate sobre diferentes assuntos de nossa era, como inteligência artificial, internet das coisas, soberania digital, racismo algorítmico, big data, indústrias 4.0 e 5.0, segurança digital, software livre e valor da informação.
A obra se inicia com um debate histórico e conceitual sobre a relação entre capitalismo, colonialismo e racismo, para em seguida, discutir as expressões “colonialismo digital”, a “acumulação primitiva de dados” e “racismo algorítmico”. Ao fim, apresenta uma reflexão sobre os possíveis caminhos a seguir, partindo das encruzilhadas teóricas e políticas entre o hacktivismo anticapitalista e o pensamento antirracista radical.
As raízes do protesto negro, de Clóvis Moura
Publicado pela editora Dandara, o livro uma coletânea de artigos escritos durante três décadas, pelo intelectual negro, historiador, sociólogo, poeta e jornalista Clóvis Moura (1925-2003).
A publicação encerra um ciclo de estudos realizados, cuja publicação se inicia com “Rebeliões da Senzala”. Entendendo que o negro é peça fundamental na formação social, cultural e econômica do Brasil, o autor se debruça sobre vasta literatura e documentação referente ao escravismo colonial e os desdobramentos que esse modo de produção exerceu sobre a formação desse sujeito histórico no Brasil em diversos sentidos, desde a sua personalidade, passando pelas relações afetivas até a condição econômica e ideológica. Assim como sua realocação, no pós-abolição, em uma sociedade de classes altamente competitiva.
Por que você não acredita em mim, de Winnie Bueno
Refletir sobre o que leva, especialmente, as mulheres negas serem descredibilizadas na sociedade é a proposta do livro da intelectual e ativista do movimento social negro, Winnie Bueno (@winniebueno), no livro “Por que você não acredita em mim”, lançado pela Harper Collins Brasil.
A partir de vivências próprias e de terceiros, de estudos e reflexões a autora apresenta um texto potente, que se apresenta, ao mesmo tempo, como um desabafo, um grito por mudança e um abraço em uma população que há séculos tem seu corpo e mente atravessados por violências em todas as esferas da vida: nas atividades cotidianas, na educação, no trabalho, na mídia. Em todo lugar, o tempo todo, de forma exaustiva, até mesmo por muita gente que diz e acredita combater o racismo.
Samba e pandemia – 2021: o ano em que o samba parou, de Sara Negritri e Tadeu. Kaçula
A obra convida, ao longo das 200 páginas, à reflexão acerca da história do samba de forma inédita, ao mesmo tempo, em que traz o profundo impacto da pandemia de Covid-19 na cadeia produtiva do Carnaval, no universo do Samba e das Escolas de Samba. No livro, constam desde o samba rural, primeiros cordões, blocos, a profissionalização das escolas de samba com o prefeito Faria Lima e a oficialização, com Erundina, até os dias que antecedem a Pandemia.
Para pesquisar e sistematizar os impactos da pandemia do Novo Coronavírus na cadeia produtiva do carnaval de São Paulo, os autores fizeram um recorte em suas pesquisas, de modo a analisar as relações do trabalho, a precarização da produção artística nas periferias de São Paulo, na ausência de políticas públicas nas áreas da saúde, trabalho e renda, saneamento, mobilidade e desenvolvimento humano. Além disso, essa obra permite compreender o importante papel do samba como um instrumento de sociabilidade e aquilombamento da população preta e pobre das periferias de São Paulo, conforme ressaltam os autores (@sambaepandemia).
Salvar o fogo, de Itamar Vieira Junior
O ano de 2023 promete ser promissor para Itamar Vieira Junior (@itamarvieirajr) que lançou, pela Todavia, um novo romance. Em “Salvar o fogo”, ele faz uma viagem profunda para mostrar a complexidade de personagens, essencialmente brasileiros.
Moisés vive com o pai, Mundinho, e sua irmã, Luzia, em Tapera do Paraguaçu, povoado rural na Bahia. Os outros irmãos foram embora. Tapera é uma comunidade de agricultores, pescadores e ceramistas de origens afro-indígena que vive ao mando da igreja (dona de um mosteiro construído no século XVII). Órfão de mãe, Moisés encontra afeto com Luzia — estigmatizada por seus supostos poderes sobrenaturais. Diligente lavadeira do mosteiro, Luzia o educa com rigidez. Ela ainda alimenta a esperança de reunir a família novamente. Anos depois um grave acontecimento pode ser a oportunidade para isso, e este reencontro promete deixar de lado décadas de segredos e sofrimentos.
Dispositivo de racialidade, de Sueli Carneiro
Uma pesquisa densa realizada há mais de 20 anos, pela filósofa, pesquisadora, intelectual e ativista do movimento social negro, chega às livrarias, neste ano, pela Zahar. Em “Dispositivo de racialidade”, Sueli Carneiro (@carneiro956) oferece uma interpretação contundente do racismo e uma defesa de seu enfrentamento sempre pelo coletivo, onde o cuidado de si e o cuidado do outro se fundem na busca da emancipação.
No livro, a autora aplica os conceitos de dispositivo e de biopoder de Michel Foucault ao domínio das relações raciais, forjando o que chama de dispositivo de racialidade — que produz uma dualidade entre positivo e negativo, tendo na cor da pele o fator de identificação do normal, representado pela brancura.
Especulando com Foucault e amparada na teoria do contrato racial do afro-jamaicano Charles Mills, ela demonstra como este dispositivo se constitui em um contrato que não é firmado entre todos, e sim entre brancos, e funda-se na cumplicidade em relação à subordinação social e na eliminação de pessoas negras. Ele também se efetiva pelo epistemicídio, cujo objetivo é inferiorizar o negro intelectualmente e anulá-lo como sujeito de conhecimento.
Contudo, todo dispositivo de poder produz a sua própria resistência, e é nesse contexto que a filósofa traz à obra a voz de quatro insurgentes. Seus testemunhos revelam que é da força da autoestima, da conquista da memória e da ação conjunta que se extrai a seiva da resistência.
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