‘O racismo não está piorando, está sendo filmado’.
Colunista: Juliano Pereira
Você já ouviu falar da chamada Inspeção Aleatória nos aeroportos? O que a palavra aleatório significa para você? No dicionário: aleatório é algo esporádico e eventual. Jamais, frequente.
No meu caso, ela deveria mudar de nome. Porque viajar de avião virou sinônimo de Inspeção “Aleatória“. Não é exagero. Ser inspecionado no aeroporto virou rotina. Quando estou acompanhado, vou logo avisando: a viagem pode demorar mais porque, com frequência, sou parado no Raio X. Finjo que não é nada demais, que é para minha segurança. Mas a pergunta que fica é: “Por que sempre eu? Qual a desculpa dessa vez para me abordarem?”. A resposta, a gente sabe de cor.
Eu sei, no passado era muito pior. Aliás, era pior para o meu avô, e um pouco menos para o meu pai. Mas alí no raio-X, você está sozinho. Ninguém explica porque você foi parado. “E nada de câmera ligada, por favor!”, afinal, é só mais um preto escolhido “aleatoriamente”. Vendo o copo meio cheio, sei que não preciso me expor mais nas ruas, numa moto, tomando enquadro da polícia semanalmente. No máximo, perco um voo ou me sinto julgado por “gente de bem, apressada, católica, lendo jornal, satisfeita, hipócrita”, como diriam os Racionais.
O “aleatório“ pode acontecer em muitos lugares. Em lojas e supermercados, isso é bem comum. Semana sim, outra também, aparece uma notícia ou vídeo de seguranças revistando ou seguindo uma pessoa preta. Se você já passou por isso, deve se lembrar, agora mesmo, de cada segundo. Da surpresa, angústia, indignação e raiva.
_ Como assim? Olhar minha bolsa? Tá maluco? Saí fora.
_ Não, espera. Eu não peguei nada. Eu mostro sim, calma. É um absurdo ser tratado assim!
Fato é que, quando algo se repete infinitas vezes, desconfio. Racismo, machismo, abuso de poder. Tudo pode ser! E o buraco é mais embaixo.
Parafraseando o Will Smith, ‘o racismo não está piorando, está sendo filmado’. Em números, segundo a JusRacial¹, entre 2009 e 2023, os processos por racismo no Brasil cresceram 17.000%. Parece muito, cerca de 170 mil processos, só no ano passado. Mas a realidade é que esses processos são só uma fração da realidade. Igual a uma epidemia, a subnotificação impera e a impunidade é quase certa.
Em casos recentes, na Zara e no Carrefour, a brincadeira ficou cara. Processo, advogado, multa e exposição na mídia. Do lado das empresas, a resposta é a mesma: comunicado de repúdio ao racismo (com o famoso “temos até funcionários pretos”), investigação interna sobre o caso, além de um programa de treinamento para os funcionários. E a vida segue. Quem pagou a multa não vai sentir falta do dinheiro. Mas para a professora ou o estudante que foram as vítimas, fica a lembrança. Como tatuagem velha, com o tempo a gente se acostuma.
_ Ok Juliano, entendi que é um saco passar por isso. É humilhante mesmo. Mas e aí?
Bem, não tem solução fácil. Que racismo é crime, a gente já sabe. O desafio é fazer a pessoa que cometeu o crime, pagar por ele. Se 170 mil processos ao ano não são suficientes, quantos mais são necessários? 1, 5, 10 milhões por ano? Acho que o Judiciário não aguenta o tranco. Talvez seja mais efetivo tratar racismo como pensão alimentícia. Cadeia e multa, sem discussão.
E não dá para ser ingênuo e achar que a lei resolve tudo. Adicionalmente, é importante, sim, seguir com a educação antirracista,com os livros escritos por pessoas pretas (aliás, recomendo ler “O Avesso da Pele”, do Jefferson Tenório) e que falam sobre a nossa realidade. Insistir nas políticas de quotas em universidades e nas vagas afirmativas, também. E para você, meu caro amigo branco, continue saindo da bolha e falando sobre os seus privilégios. E se vir uma inspeção aleatória ou abuso de autoridade na sua frente, ligue a câmera, diga que está gravando. Porque tem racista que não quer enxergar, mas a gente segue aqui, atento, pronto para denunciar a banalidade do mal.
¹ – https://jusracial.com.br/jurimetria/processos-de-racismo-crescem-17-000-a-emergencia-da-jurimetria-racial