Monique Evelle e o mercado de conteúdo digital

Monique Evelle empreende desde os 16 anos. Hoje, ela é mentora e formadora de novos empreendedores no Brasil, através da Inventivos. Mentora e jurada do Self Made Brasil, já foi repórter do Profissão Repórter, teve seu talk show “Na Prosa com Monique”, entrevistando nomes como Ivete Sangalo, Zezé Mota, Maria Gadú, entre outros, além de produzir podcasts no Globoplay e UOL. Como Consultora de Inovação, já criou soluções para diferentes clientes como Natura, Google, UOL, Banco Votorantim, Olympikus, Ambev, Nubank, Studio Z, entre outros. E é com ela que a Raça bateu um papo incrível. Você confere essa entrevista agora.

Quem é Monique Evelle?

Adoro me apresentar como Monique Evelle porque aprendemos com Lélia Gonzalez que mulheres negras precisam falar nome e sobrenome; senão, o racismo coloca o nome que quiser. Sou do Nordeste duas vezes: porque sou de Salvador e nasci num bairro chamado Nordeste de Amaralina. Sou filha única de Deusa e Ari e venho resolvendo problemas complexos, seja como CPF por ser mulher preta, seja como CNPJ porque tenho meus negócios e dedico minha jornada nos últimos dez anos a isso. E espero que nos próximos dez anos também. Presto consultorias na área de comunicação, tecnologia, educação e auxilio a comunidade negra da forma que consigo, sem esquecer da minha subjetividade. Porque o coletivo é massa, mas precisamos estar vivos para continuar em movimento.

O que é a Creator Economy e o mercado de conteúdo digital no Brasil hoje?

A Creator Economy, ou Economia de Criadores, é o ecossistema que possibilita que os criadores de conteúdo gerem negócios, seja com a venda de consultorias, infoprodutos, produtos físicos, media for equity, NFT, publicidade, entre outros. Hoje, temos centenas de empresas, ferramentas e serviços que ajudam criadores de conteúdo a gerar renda. Existem mais de 20 possibilidades de monetizar conteúdo no mercado de criadores de conteúdo. O Brasil é um dos países onde o mercado mais cresce no mundo. As pesquisas mais recentes de CB Insights apontam que tivemos um aumento de 171% de novos criadores no mercado em 2021. A entrada de novos criadores provoca esforços para a profissionalização do mercado, como o registro da profissão de criador de conteúdo, que ocorreu em 2022 pelo Ministério do Trabalho.

Como é a presença de creators e influenciadores negros nesse contexto?

Na creator economy, o cenário e os acessos para pessoas negras lembram outros mercados. No contexto geral da sociedade, mulheres negras recebem cerca de 44,4% a menos que homens brancos, segundo a pesquisa “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça”, publicada pelo IBGE. Além disso, o empreendedor negro tem crédito negado três vezes mais do que o branco no Brasil. Criadoras e criadores de conteúdo são também empreendedores. Ou seja, as desigualdades raciais existentes se perpetuam no universo da creator economy. Mesmo com alguns avanços nos pilares de diversidade e inclusão, marcas e agências reforçam as desigualdades raciais nas contratações de creators. Estereótipos são reforçados diariamente por empresas que querem contratar creators negros apenas para falar de pautas raciais. Não convidam influenciadores negros para falar sobre viagens, maternidade, decoração e outros temas de suas expertises. As marcas partem do pressuposto que, por sermos negros, o que nos resta é falar de pautas raciais.

Quais as maiores dificuldades que eles encontram?

A baixa remuneração é um desafio. Em 2020, realizei uma pesquisa ao lado da Black Influence, Site Mundo Negro, YOUPIX, Squid e Sharp para fazer um retrato do mercado preto de influência e apontar, com dados, os mecanismos do racismo estrutural que fazem com que creators pretos sejam menos valorizados. Comparando as médias de valores mínimos e máximos que os creators receberam em campanhas, existe uma grande disparidade. Enquanto a média do valor máximo recebido por influenciadores brancos era de R$ 4.181,01, para influenciadores pretos este valor caía para R$ 2.384,16. Nos Estados Unidos, influenciadores que se autodeclaram pretos, pardos e indígenas ganham 29% menos que os influenciadores brancos, enquanto os influenciadores negros ganham 35% menos que seus colegas brancos, de acordo com a pesquisa “Time to Face the Influencer Pay Gap”, realizada em 2021 pela agência de marketing de influenciadores MSL em parceria com a The Influencer League. Mesmo com um contexto de disparidade salarial, os creators negros continuam diariamente produzindo conteúdos sem reconhecimento.

O empreendedorismo é o caminho para creators negros que queiram se desenvolver no ecossistema digital brasileiro?

Sempre falei que o futuro dos criadores de conteúdo é o empreendedorismo. Existem algumas fases importantes para converter conteúdo em dinheiro. Hoje estamos na fase da atenção, ou seja, chamar atenção nas redes através de dancinhas, vídeos que podem viralizar, tweets polêmicos ou outras estratégias. Mas não podemos negligenciar as fases da confiança e da venda. A fase da confiança é o momento de criar uma comunidade, não apenas aumentar a audiência. É o momento de estabelecer vínculos com seu público, a ponto de convencê-los que podem te acompanhar em outras plataformas, no online ou offline. A partir disso, chegamos à fase da venda. É quando os criadores de conteúdo entendem que precisam atuar como CEO, pensar em estratégias de vendas, criação de produtos e serviços. Isso mostra que, se o criador de conteúdo estagnar apenas na fase da atenção, é possível que não haja recorrência na geração de renda com seu conteúdo.

Pode dar exemplos, a partir da sua jornada, sobre as formas para fazer isso acontecer?

Existe um mito de que, ao escolher fazer aquilo que amamos, tudo será resolvido. Paixão é importante para acordarmos com mais motivação, mas não podemos esquecer das habilidades e do contexto do mercado. Utilizei esse tripé para construir produtos e serviços que pudessem viabilizar receita que não fosse exclusivamente publicidade. Comecei com infoprodutos, mais especificamente um curso online sob demanda. Peguei minha paixão por ensinar, minha habilidade de compartilhar informações e transferir conhecimentos de forma acessível e a demanda do mercado. Na sequência, passei a prestar serviços de consultoria para empresas. Hoje, continuo prestando consultoria e criei, ao lado do meu sócio Lucas Santana, a Inventivos, uma comunidade para quem quer empreender do zero. Também atuo como apresentadora, mestre de cerimônia e media for equity. O media for equity é um modelo de negócio pouco falado no universo da Creator Economy, que consiste em negociar marketing e expertise em troca de ações de uma empresa. Esses são apenas alguns exemplos de como criei produtos e serviços para monetizar aquilo que sei fazer, a partir da criação de conteúdo.

Qual a maior dificuldade que hoje um criador de conteúdo pode ter no quesito finanças?

Existem alguns desafios. O primeiro é a falta de constância na geração de renda. Muitos criadores de conteúdo não pensam e não atuam como empreendedores, esquecendo de fazer a gestão das suas finanças e do fluxo de caixa. Muitas vezes, fecham um trabalho em janeiro e outro apenas em maio. Outro desafio é a falta de conhecimento para precificar suas entregas. Os criadores de conteúdo costumam precificar apenas o resultado final. Por exemplo, se um cliente pede orçamento para um vídeo de dois minutos, os criadores esquecem de fazer perguntas importantes para precificar de forma justa. Perguntas como: em quanto tempo será feito o pagamento? Minha imagem será veiculada apenas nas minhas redes ou nas redes do cliente também? Tem exclusividade? Por quanto tempo? Haverá impulsionamento do meu conteúdo? Se sim, por quanto tempo? Preciso fazer o roteiro, produção, gravação e edição sozinho? Caso a produção seja toda do cliente, precisará de mim por uma diária ou mais? Perguntas assim definem critérios importantes para precificar o trabalho. Ou seja, um vídeo de dois minutos onde o cliente exige exclusividade e uso de imagem por mais de três meses, com certeza terá um valor maior. Por fim, outro desafio é ter apenas uma única fonte de receita. Geralmente, os criadores de conteúdo esperam por contratos de publicidade e esquecem de pensar em outras formas viáveis de monetização além do famoso publi post, como programas de afiliados, criação de comunidades, infoprodutos, consultorias e mais.

Como você acha que podemos sanar a invisibilidade desses criadores negros?

O acesso a crédito e a fundos de investimento é um dos caminhos para tornar a expansão desse trabalho possível. Isso viabiliza a otimização do trabalho com acesso a plataformas financeiras, planos de saúde e equipamentos. Esses serviços podem ser personalizados de acordo com as necessidades dos criadores de conteúdo. Se os creators são os novos empreendedores, podemos considerá-los como futuras pequenas e médias empresas. E, como empresas, deveriam ter acesso a crédito, fundos de investimento e empréstimos. Criar conteúdo e empreender é uma via de mão dupla. Podemos considerar que cada vez mais profissionais, CEOs e fundadores de empresas estão criando conteúdos como meio de engajar e estar mais próximos dos seus clientes. A criação de conteúdo se tornou uma estratégia para alcançar melhores resultados nos negócios. O que precisamos agora é que os criadores de conteúdo desenvolvam também uma mentalidade empreendedora para conseguir gerar renda com suas criações e habilidades. No final do dia, estamos falando de negócios.

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