Aos 80 Anos, Zezé Motta reflete sobre racismo e avanços na sociedade
No auge dos seus 80 anos, completados em junho, Zezé Motta vive um momento ímpar em sua carreira. Além de estar no elenco de quatro filmes (“Por um Fio”, “Mauricio de Sousa – O Realizador de Sonhos”, “Esperança Garcia”, como protagonista, e “Se Eu Tô Aqui É por Mistério”), a atriz, nascida em Campos dos Goytacazes, no estado do Rio de Janeiro, também é requisitada para ser estrela de muitas campanhas publicitárias. Atualmente, ela protagoniza dez campanhas de grandes marcas.
O comportamento revolucionário é uma marca registrada da atriz, que ficou famosa pela personagem Xica da Silva, no filme de Cacá Diegues, de 1976. Na história, baseada no livro homônimo de João Felício dos Santos, Xica foi uma escrava alforriada que mantinha uma união com um rico contratador de diamantes português, João Fernandes de Oliveira.
Analisando a personagem vivida por ela há 48 anos, Zezé diz que interpretá-la foi uma forma de naturalizar a presença de protagonistas negras na arte. Porém, a carga sensual de Xica lhe deixou uma herança problemática na vida amorosa:
“Em relação à sensualidade da Xica da Silva, aquilo fazia parte da minha interpretação, mas me rendeu alguns problemas, porque a personagem ficou muito introjetada no imaginário masculino. Então, quando as pessoas me viam, elas projetavam a Xica, e a Zezé ficava em segundo plano. E isso foi algo que acabou refletindo em alguns relacionamentos amorosos”, avalia a atriz.
Quarenta anos depois, a revolucionária Zezé enfrentou o ódio dos racistas na televisão, ao atuar como par romântico de Marcos Paulo (morto em 2012) na novela “Corpo a Corpo” (1984). Hoje, a veterana tem uma visão otimista e acha que muita coisa avançou até aqui:
“Tivemos um avanço tímido. Se formos comparar com 40 anos atrás, temos um número muito maior de personagens negros e negras em posições de protagonismo na televisão, e não apenas como personagens subalternos. A ideia do negro em papéis comuns, com profissões comuns, se apaixonando, vivendo suas próprias vidas e sonhos, já está mais naturalizada no imaginário do brasileiro. Hoje em dia, as pessoas admitem o racismo, e isso já representa uma mudança muito maior em relação a um tempo atrás. Mas sem dúvida ainda temos um longo caminho a percorrer para chegar em um patamar de igualdade. Acredito que estamos na direção certa.”
Mãe de Luciana, Carla, Cíntia e Robson, Zezé vem encarando a velhice com muita naturalidade. Seu amor pela existência a faz encarar o processo do passar dos anos como algo natural. Sua grande angústia, no entanto, é a perda dos amigos nesse caminhar:
“E por mais que eu seja uma mulher atualizada, em sintonia com todas as novidades tecnológicas e ativa no mercado de trabalho, também sinto falta de um mundo que ficou para trás. Mas isso faz parte da vida, e temos que estar preparados.”
Resiliência, humildade e sorte a ajudaram a construir sua personalidade nesses 80 anos de vida. A atriz, que também é cantora, viaja pelo país com o show “Zezé Canta Caetano”. Energia não falta para a octogenária:
“Sou muito bem resolvida com a minha idade. Me sinto viva, estou trabalhando, em atividade, lúcida e com prestígio. Isso é uma bênção. Estou fazendo uma série de coisas que não tinha feito quando era mais nova. Virei até garota-propaganda depois de idosa! Eu acho que é porque estou de bem com a vida, me cuido, e estou pronta para viver muitas outras experiências, mesmo com 80 anos. E tem uma coisa, eu não fico lembrando, não penso que tenho 80 anos, vivo minha vida.”