Pan Africanismo: Memória, Luta e Contemporaneidade
Zulu Araújo
Nos próximos dias 29, 30 e 31 de agosto, a cidade de Salvador/Bahia, sediará um evento histórico sobre a Diáspora Negra nas Américas. Estou falando da primeira Conferência da VI Região Africana (Afrodescendentes das Américas e do Caribe). Esse evento faz parte dos preparatórios do IX Congresso Pan Africano, patrocinado pela União Africana (UA) que será realizado no Togo, no mês de outubro de 2024.
Pan Africanismo: A África e a Diáspora Negra (Memórias, Restituições e Reparações), será o tema do Congresso.
O Pan-africanismo, foi um movimento internacional dos mais importantes que teve lugar no século XX. Seus primeiros passos foi na década de 1920, nas Américas (Estados Unidos, América Central e Caribe), e liderado por um grupo de intelectuais oriundos da diáspora africana.
Nos Estados Unidos, o Pan Africanismo se notabilizou com a chamada Renascença do Harlem, onde o orgulho racial, a criatividade e a intelectualidade reuniu figuras como Du Bois – sociólogo, socialista, historiador e ativista dos direitos civis nos Estados Unidos, Marcus Garvey – jamaicano, jornalista, ativista político e empresário, Josephine Baker, bailarina e ativista dos direitos civis, James Baldwin, escritor e ativista, além de músicos fantásticos como Louis Armstrong, Countie Basie, Duke Ellington, Ella Fitzgerald e Dizzy Gillespie.
O curioso é que, esse poderoso movimento em defesa do continente africano, partiu de lideranças da Diáspora Africana e conseguiu não só convencer lideranças dos países que estavam em regime colonial na África, assim como líderes europeus e americanos, sobre a tragédia que era o colonialismo, em particular na África e mais ainda o chamado racismo cientifico que ocorria contra os negros nas Américas.
Du Bois por exemplo, foi responsável pela realização dos Congressos Pan Africanos em (Londres, Paris e Bruxelas, 1919; Londres e Lisboa, 1921; Nova York, 1927; Manchester, 1945). Congressos esses que possibilitaram a união dos africanos com a diáspora negra e que estabeleceu como meta o “cooperativismo negro” e a “solidariedade negra”.
É desse modo que o Pan-africanismo, se consolida em diálogo com o universo simbólico da contemporaneidade para embasar a luta comum dos negros (africano e afrodescendente) contra o colonialismo e o racismo, conforme afirma o Professor da Universidade do ABC, Muryatã Barbosa, no Ensaio – Pan-africanismo e relações internacionais: Uma herança (quase) esquecida.
Lamentavelmente o Brasil conhece muito pouco dessa história. Seja pelo apagamento histórico que tivemos no processo de colonização brasileiro, a partir de Portugal, seja pela pouca participação que as lideranças negras brasileiras tiveram nesse processo. A única liderança negra brasileira a incidir sobre essa temática foi Abdias do Nascimento.
Outro dado importante é que, inspirado nessas lideranças pioneiras uma segunda geração de intelectuais no pós-segunda guerra mundial não só deu sequência a essa luta, como materializou muitos desses sonhos. É bem verdade que a custa de muito sofrimento e perda de muitas vidas, particularmente das suas lideranças.
Figuras como, Aimé Cesaire (poeta, dramaturgo, ensaísta e político), Leopold Sedar Senghor (poeta, escritor e Presidente do Senegal). Ou mesmo Kwame Nkrumah (líder político de Gana) e Jomo Kenyatta (primeiro presidente do Kenia), Amilcar Cabral, (escritor e grande líder político marxista da independência de Cabo Verde e Guiné Bissau), Patrice Lumumba, (Primeiro Ministro do Congo), dentre outros que literalmente deram suas vidas (foram assassinados pelos serviços secretos europeus e norte-americano) para a libertação dos seus países do jugo colonial, assim como para a valorização dos negros/as mundo afora.
Na contemporaneidade a saga pela autonomia plena dos países africanos, bem como o combate ao racismo contra os afrodescendentes continua em pauta. Nesse sentido, vale a pena lembrar Amílcar Cabral, que dizia: “O nosso povo africano sabe muito bem que a serpente pode mudar de pele, mas é sempre uma serpente”. E a serpente do racismo e do colonialismo, apesar de terem se transformado numa metamorfose ambulante, chamada neoliberalismo, continuam sendo racismo e colonialismo.
Por fim, vale a pena parabenizar a União Africana, o Ministério da Cultura do Brasil e a Secretaria de Promoção da Igualdade da Bahia, nesse esforço de integrar a VI Região africana nessa luta pela emancipação plena da África e dos seus descendentes. Afinal, estamos todos no mesmo barco.
Toca a zabumba que a terra é nossa!