Torto Arado – O Musical
Espetáculo foi lançado em Salvador e agora chega em São Paulo em curta temporada.
Desde que o livro Torto Arado, de Itamar Vieira Junior, foi lançado, penso em escrever uma resenha. Falhei todas as vezes que tentei, e, depois de um tempo, entendi que precisava guardar aquela história em uma das inúmeras gavetas da minha mente para me dar forças nos dias difíceis.
A obra premiada se tornou best-seller e agora inspira Torto Arado – O Musical, lançado primeiro em Salvador, estado de origem do escritor e de alguns membros do elenco. Recentemente, a montagem estreou em São Paulo, no Sesc 14 Bis, onde segue em cartaz até 15 de dezembro.
Torto Arado – O Musical apresenta um texto épico e lírico que revela, para além da trama, uma história de vida e morte nas profundezas do sertão baiano. Trata-se de um poderoso elemento de insubordinação social, de combate e redenção. Questões delicadas e difíceis como trabalho análogo à escravidão, racismo, resistência, sobrevivência, disputa por terra, bem como o universo da fé, magia, poesia e religiosidade, são abordadas tanto no livro quanto no musical.
A história das irmãs Bibiana e Belonísia, personagens centrais do livro e também do musical, é interpretada por um elenco majoritariamente negro, refletindo a ancestralidade e realidade da família, caso fossem pessoas reais.
Ainda que Larissa Luz e Bárbara Sut, que interpretam as irmãs, emocionem o público com vozes e atuações potentes, Lilian Valeska, que dá vida a Donana e Santa Rita Pescadeira, brilha com intensidade singular. Ela coloca suas personagens no centro da narrativa, destacando a importância de quem veio antes. As ações e consequências dos atos de Donana, por exemplo, revelam-se decisivas mesmo após sua morte.
Fica evidente que a força de Donana e de Santa Rita Pescadeira é a energia que guia as irmãs em sua eterna busca por respeito e liberdade. Essa força é sustentada por canções como Os Dois Candeeiros, Água Negra e Aqui Nesse Ilê, estrategicamente posicionadas por Jarbas Bittencourt, diretor musical e compositor do espetáculo.
Sob a direção de Elísio Lopes Jr., o musical conduz a plateia diretamente para dentro do universo do livro. Quem já leu a obra de Itamar Vieira Junior reconhecerá mais do que inspiração, pois as cenas são incrivelmente fieis ao texto original. Já quem ainda não leu encontrará um repertório imagético e sonoro adicional, que dará vida às personagens por meio das potentes vozes de Larissa Luz, Bárbara Sut, Lilian Valeska e os demais atores e cantores.
É preciso respeitar os artistas e a plateia
O espaço é perfeito, assim como a iluminação e o som. O único problema, no dia em que assisti ao musical, foi o comportamento da plateia, que aplaudia, cantava e até assobiava no meio do espetáculo, sempre que um cantor ou ator terminava uma cena ou solo. Prestigiar os artistas é fundamental, mas, na minha opinião, esse entusiasmo poderia ser reservado para o final da apresentação.
Esses momentos de transição entre uma cena e outra são essenciais para recebermos a energia emanada do palco e nos prepararmos emocionalmente para o que vem a seguir. É tão incômodo quanto ir a um show e passar o tempo todo gravando, em vez de viver plenamente a experiência.
Crédito fotográfico: Caio Lírio
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