Samba no Pé, Panela no Fogo e a Creche no Quintal: A Receita da Mulher Negra Perfeita
Dizem que ser mulher já é carregar o mundo nas costas. Agora, ser mulher negra? Ah, aí o peso vem com acessórios: um pandeiro, uma colher de pau e uma cartilha de “como criar uma família numerosa enquanto sorri”. Isso porque, segundo a sociedade (essa especialista em criar caixinhas), para ser uma mulher negra “de verdade”, precisamos atender a uma lista de exigências digna de concurso de super-heroínas.
Primeiro item da lista: gostar de samba e sambar como se o DNA fosse coreografado na barriga da mãe. É como se houvesse uma cláusula genética que automaticamente coloca o samba no pé das mulheres negras. Mas cuidado! Se você não souber gingar, será alvo de olhares surpresos e da clássica pergunta: “Nossa, mas você não sabe sambar?!”. Não, querida sociedade, não sabemos. E tem mais: nem todo mundo gosta de samba! Tem negra que prefere rock, jazz ou até silêncio (já tentou um momento de paz?).
Segundo requisito: ser mestre-cuca nas horas vagas e cozinhar como as tias dos almoços de domingo. Porque, claro, mulher negra que se preze tem que saber fazer feijoada, acarajé e sobremesas que alimentem um batalhão. Não importa se a gente trabalha 12 horas por dia e não aguenta nem fritar um ovo no final do expediente. “Mas nem uma receita da vó você sabe?!” Pois é, não sei. Meu talento culinário se resume a ligar o micro-ondas, e tudo bem!
Ah, e a cereja do bolo (que provavelmente esperam que a gente também saiba fazer): ter muitos filhos. Porque existe essa ideia absurda de que o destino natural das mulheres negras é povoar o mundo. Não importa se a gente quer estudar, viajar, ser CEO ou maratonar séries na Netflix. Sempre tem alguém perguntando: “E os filhos? Vai demorar muito?” Demorar para quê? Estamos correndo contra um relógio imaginário?
Esses estereótipos, claro, não surgiram do nada. Eles são resultado direto do racismo estrutural, que insiste em reduzir mulheres negras a papéis folclóricos e ultrapassados. Nossa identidade é constantemente moldada por expectativas que limitam quem somos, como se não pudéssemos existir fora dessas narrativas engessadas.
Mas sabe o que é mais irônico? Quando fugimos desses rótulos, somos vistas como “exceções” ou “fora da curva”, como se o simples ato de sermos plurais fosse um desvio do que esperam de nós. Afinal, para a sociedade, mulheres negras não podem apenas ser pessoas. Temos que ser personagens de um enredo pré-definido: alegres, resilientes, batalhadoras e sempre dispostas a carregar mais peso do que qualquer ser humano deveria suportar.
Por isso, aqui vai um recado: pode até ser que eu não saiba sambar, cozinhar ou queira ter filhos, mas uma coisa eu sei fazer muito bem: derrubar estereótipos com uma boa dose de sarcasmo e amor-próprio.
Então, quer saber? Samba eu deixo para quem gosta, a cozinha para quem tem paciência, e os filhos… bom, esses eu deixo para quem quer, porque o único papel obrigatório para mim é ser exatamente quem eu quiser. E isso, meu bem, não tem receita pronta!