Aos 108 anos, Joel Gonçalves sonha em comemorar o primeiro Natal

Joel Pereira Gonçalves é um homem de histórias que parecem ter saído de um livro. Aos 108 anos, ele carrega uma trajetória de lutas, perdas e superação que começa e se mistura com a história de Belo Horizonte. Nascido debaixo do Viaduto Santa Tereza, no coração da capital mineira, ele passou 101 anos vivendo nas ruas. Ainda assim, nunca perdeu a capacidade de sonhar.

Entre seus desejos, um se destaca: viver um Natal pela primeira vez. “Nunca tive um Natal ou um ano-novo. Nem sei como é isso, mas queria sentir, pelo menos uma vez”, confessa.

Órfão aos nove anos, Joel viu sua vida virar de cabeça para baixo quando perdeu a mãe para a picada de um escorpião e o pai para uma pneumonia. “Minha mãe, Maria de Lourdes, era uma morena forte e me protegia de tudo. Antes de partir, ela me disse: ‘Não se mete em coisa errada. De onde eu estiver, estarei olhando por você’. Nunca esqueci essas palavras”, relembra com os olhos marejados.

Mas a proteção da mãe não conseguiu evitar que, ainda adolescente, Joel fosse sequestrado e forçado a trabalhar como escravo em uma fazenda no Mato Grosso do Sul. Ele conta com detalhes os dias de horror: “Colocaram correntes nos meus braços, nos pés e até no beiço. Me deram uma enxada e chicoteavam quem parasse de trabalhar.”

A libertação veio graças a uma mulher da fazenda que, arriscando a própria vida, o ajudou a fugir. “Ela abriu as correntes e me escondeu num caminhão de capim. Fiquei tremendo, mas sabia que Deus estava comigo”, diz.

De volta a Belo Horizonte, Joel reconstruiu sua vida como pôde, enfrentando os desafios das ruas. “Era só eu e Deus. Mas, na rua, aprendi a sobreviver e até a compartilhar o pouco que tinha”, conta.

Apesar de tudo, Joel nunca deixou de sonhar. Ele diz que ainda gostaria de se casar “como gente” na igreja e de fazer uma cirurgia para o glaucoma, que hoje dificulta sua visão. “Se eu enxergasse direito, ia dançar um forró. Adoro ver o povo dançando”, diz, sorrindo.

Mas é o sonho de comemorar o Natal que mais mexe com ele. “Nunca vivi um Natal de verdade. Queria só uma vez, com fartura, alegria, companhia.”

Hoje, Joel vive em um quarto modesto em uma pensão no Bairro Santa Efigênia, mas sua história continua a inspirar quem o conhece. Entre lágrimas e risos, ele compartilha suas memórias com quem se dispõe a ouvir. “Já vivi muita coisa. E sei que Deus nunca me abandonou. Enquanto eu estiver vivo, vou continuar sonhando”, afirma.

Aos 108 anos, Joel é prova de que a esperança não tem idade, e que, mesmo diante das maiores adversidades, sonhar ainda é o que nos mantém vivos.

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