Para onde a juventude negra vai nos guiar?

HÁ POUCO MAIS DE 25 ANOS CONSTRUÍ UM RASCUNHO DO QUE GOSTARIA DE SER E FAZER, UMA LISTA QUE BATIZEI ERRONEAMENTE DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA MINHA VIDA. EU NEM SABIA O QUE SIGNIFICAVA PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO.

A lista estava mais para um conjunto de sonhos e desejos. Não tinha metas nítidas, nenhum risco foi calculado e, não fazia ideia de que habilidades eu deveria adquirir para, um dia, “ticar” os itens da lista. Essa falta de plano, aliada a uma vontade louca de fazer muitas coisas, colocou-me numa gangorra profissional e de emoções.

Eu sonhava em conhecer países, atravessar continentes, trabalhar em lugares diferentes, ter muita mobilidade e liberdade. Atuar na área de comunicação pública e privada, passear pelas áreas de beleza e moda e me tornar uma grande executiva ou gestora. Algumas das coisas daquela lista alcancei com muito sucesso e um conjunto significativo de cicatrizes. Outras, sigo buscando até hoje.

Eu nasci em 1978, antes da redemocratização e da Constituição. A abolição ainda não tinha comemorado centenário. Na minha adolescência e juventude, não se discutia, ou pelo menos não chegava aos meus ouvidos, a que geração eu pertencia. Sempre fiquei com a sensação de que era a geração do limbo. Muito mais tarde, quase “ontem”, tomei consciência de que era a geração, que, de alguma maneira, teria a responsabilidade de orientar os caminhos do país a partir de uma nova perspectiva de nação que estava sendo desenhada com a redemocratização. Que grande responsabilidade! Que grande responsabilidade para uma jovem mulher negra!

Rapidamente percebi que precisava adquirir um conjunto de habilidades e que, com a cor da minha pele e meu gênero, isso poderia ser muito mais difícil. Seria preciso ultrapassar barreiras socioeconômicas (mais de 70% das pessoas pobres no Brasil são negras), do racismo e do machismo. Um bom diploma, fluência em outras línguas, pós-graduação, uma boa agenda de contatos e um tanto de outras coisas, precisavam ser alcançadas, para que o meu plano estratégico de vida e minha contribuição para com esse novo país, que estava sendo construído, pudesse ser significativa, mesmo que fosse só para mim. Quase caí na esparrela da boa aparência – quem nunca achou que uma boa chapinha poderia derrubar uma série de obstáculos? Ou que andar com os branquinhos do shopping seria o caminho para a construção de uma rede?

Também aprendi a cair sempre em pé, como um gato. Acho que qualquer pessoa negra que ler esse texto vai entender perfeitamente o que isso significa. Talvez essa seja a melhor tradução que encontrei para o termo resiliência. 

Mas, o que o futuro guarda para as novas gerações? Quais são as aspirações da geração Y e agora da geração Z? Para que caminho a juventude negra vai nos guiar? Que soluções poderão dar para os nossos problemas, sobretudo, porque muitos seguem sendo os mesmos?

Na minha época (nossa, nem acredito que estou usando essa expressão), a cada 4 horas um jovem negro era assassinado, como anunciou o grupo de rap Racionais Mcs, na música Capítulo 4, versículo 3, do álbum Sobrevivendo no Inferno, lançado em 1997. Que estratégias a geração Z vai construir para se manter viva, já que a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado.

Como o ideograma sankofa informa, é preciso olhar para o passado para construir o futuro.

RACHEL QUINTILIANO é jornalista, pós-graduada em comunicação e saúde, consultora na área de comunicação, planejamento e sistematização com foco em saúde, gênero e raça. Foi sócia da iniciativa Nina Cosméticos, especializada em produtos de beleza para pessoas negras

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