Daqui a pouco não poderemos mais comer

Quando a pandemia começou há pouco mais de um ano, por muitas vezes, observei publicações nas redes sociais de pessoas dizendo que o Brasil e os brasileiros superariam com maior facilidade porque somos um povo “gentil”, esperançoso e que não mede esforços para ajudar ao próximo. Em tese, isso se concretizou e o país se mobilizou em campanhas de doação, especialmente de alimentos, para quem mais precisa. Vimos uma avalanche de ações, algumas muito bem intencionadas, outras nem tanto. Vimos também muito marketing.

Quando os “bons samaritanos” se cansaram, vimos a favela e as periferias agindo com resiliência. Emocionei-me por muitas vezes com as ações das Mães da Favela, do pessoal da Cufa e, mais recentemente, com a Coalização Negra por Direitos. Essas organizações têm se mostrado fundamentais para a sobrevivência do povo negro e pobre deste país, que sem dúvida sofre mais com essa crise, especialmente as mulheres negras.

Na medida do possível tentei contribuir com muitas iniciativas e não esmorecer diante do que via. Em muitos momentos, eu que sigo bem empregada e em condições de trabalhar de casa, com possibilidade de seguir melhor os protocolos de distanciamento e segurança contra o Coronavírus, senti tristeza, medo e até culpa.

Quantas vezes sentei à mesa e agradeci pelo que tinha no meu prato. Nunca tinha me sentido tão grata antes. Nunca tinha agradecido tanto por ter uma casa confortável, um trabalho que pudesse pagar minhas contas e ainda ajudar meus pais. Nunca tinha sentido com tanta força a compaixão. E, pelo andar da carruagem, eu e muita gente precisaremos muito mais do que consolar uns aos outros, nesse sentimento, que é mobilizador, que faz você ter vontade real de minorar seu próprio sofrimento ou de outra pessoa.

Quando achei que as coisas poderiam estar melhorando, assumimos a liderança no quantitativo de casos e de mortos. A pandemia chegou para ficar no Brasil e acirrou as desigualdades. Começamos a ver novamente a cara da fome nas reportagens dos telejornais. E, quase sempre, esse rosto é de uma pessoa negra.

Outro dia, cansada do home office, saí para comprar cerveja no mercado do lado da minha casa. Pensei, “sextou, estou exausta e mereço uma cervejinha gelada”. Voltei do mercado aos prantos e com uma culpa enorme.

Enquanto passava pelo corredor do mercado, fui surpreendida por uma exclamação em alto e bom som: “Meu Deus. O que é isso?”. Olhei imediatamente para trás e lá estava uma senhora negra indignada.

Perguntei se tinha acontecido alguma coisa. Ela prontamente respondeu: “o óleo está R$ 8 e daqui a pouco não poderemos mais comer”. Aquilo me rasgou. Não disse nada, não comprei a cerveja. Voltei para casa e chorei embaixo do chuveiro.

Entendi que era o melhor a fazer naquele momento. Apenas chorar, deixar a dor sair. Para ajudar, para agir com solidariedade, em tempos tão difíceis como este, é sem dúvida, preciso sentir ter empatia e aquilombar.

Por isso, se tem gente com fome, dá de comer!

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