Desafios de Moçambique

África vem me ocupando, ultimamente. 

Pelo esforço de retratar a participação do reitor da Universidade Federal da Bahia, Paulo Miguez, na Revolução Moçambicana.

Temos ainda um longo caminho para conhecer África.  Meu primeiro contato com a região, a África Austral, aconteceu no final de 1974. 

Recém-iniciado na profissão de jornalista, também recém-egresso de prisão política da ditadura, produzi uma série sobre a libertação das ex-colônias de Portugal, naquele momento ainda em processo, decorrente das lutas revolucionárias e também da Revolução dos Cravos, abril de 1974. 

A consagração da independência de Moçambique ocorreu em meados de 1975, quando Samora Machel assume a presidência da República, como líder da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).

A FRELIMO nasce em 1962, a partir de iniciativas de Eduardo Mondlane, assassinado pelos colonialistas em 1969. É sucedido por Samora Machel, cuja determinação leva a luta à vitória.

Dirigir um país cercado por todos os lados não era tarefa fácil.  Ainda no ambiente da Guerra Fria. E tendo ao lado um inimigo muito poderoso, África do Sul, país armado de todos os modos pelos países do centro capitalista para ser uma espécie de cabeça de ponte deles.

Foi a partir da África do Sul, com recursos provenientes do país do apartheid, a eclosão de uma guerra civil, a dificultar enormemente o processo revolucionário moçambicano. 

Samora Machel combinou determinação e capacidade de negociação para levar as transformações adiante.  Em alguns momentos, teve de recuar.  Nunca deixou de lado, no entanto, o objetivo de levar adiante a revolução socialista. Líder amado pelo povo moçambicano. Assassinado em 19 de outubro de 1986.

Desde então, Moçambique vive enormes dificuldades.  Os sonhos revolucionários parecem ter se perdido.  Enfrenta hoje uma crise gestada a fogo brando havia algum tempo. Transbordou agora.

A FRELIMO, partido majoritário desde operíodo revolucionário, não é mais a mesma. Acusada de autoritarismo, manipulações eleitorais e corrupção.

Está a léguas dos ideais das zonas libertadas, dirigidas por Mondlane e Samora Machel. Penso em Marx: o dinheiro rebaixa todos os deuses do homem.  Rebaixa também, muitas vezes, os ideais políticos. E isso ocorreu na África Austral. De modo particular, em Moçambique.

Houve eleições gerais no país em 9 de outubro. Daniel Chapo, da FRELIMO, proclamado vencedor pelo Conselho Nacional de Eleições. 

Venâncio Mondlane, do Partido Otimista pelo Desenvolvimento de Moçambique (Podemos) e pela Aliança Democrática, notoriamente pró-Ocidente, favorável a teses da extrema-direita, não aceitou o resultado. Pastor evangélico, apoia Trump, Bolsonaro e o CHEGA português. Denunciou fraudes, chamou manifestações, e houve repressão e muitas mortes.

Quem está pagando o pato é o povo mais pobre, massacrado pelas forças policiais, e de alguma maneira, massa de manobra de Mondlane. Não é fácil decifrar o enigma moçambicano. 

A FRELIMO não responde mais às necessidades do povo moçambicano. E Mondlane, o pastor, com sua visão de extrema-direita, está longe de ser uma solução. 

Resta, é uma esperança, o surgimento de uma nova articulação política, democrática, capaz de apontar novos caminhos para os moçambicanos.

Três vezes salve a esperança.

*jornalista, escritor, integrante da Academia de Letras da Bahia.

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