O Carnaval e os desafios do nosso tempo
Publicado na CNN Brasil
O Carnaval é uma festa popular que tem raízes profundas na cultura brasileira. No entanto, ao longo dos anos, tem-se observado uma mudança significativa na forma como o Carnaval é celebrado, especialmente em relação às escolas de samba e aos blocos de rua. Enquanto as escolas de samba já foram o centro das atenções e representavam comunidades, bairros e regiões, hoje é possível notar uma mudança significativa nesse cenário. As escolas de samba, que outrora eram o coração do Carnaval, estão cada vez mais perdendo essa representatividade que fazia parte da sua essência.
O interesse econômico e a presença das academias, da classe média e de pessoas de fora das comunidades sãocada vez mais notáveis em agremiações que muitas vezes eram o espelho de uma comunidade ou região. Isso tem levado a uma perda da identidade e da autenticidade das escolas de samba, que agora parecem mais interessadas em agradar ao público mais amplo, incluindo o da TV, do que em representar as comunidades que as originaram.
Escolas como a Vai-Vai, a Nenê e a Camisa Verde, aqui de São Paulo, que já foram ícones do Carnaval paulistano representando, por exemplo, a comunidade negra, agora passam por maus bocados e lutam para manter sua identidade e tradição. Por outro lado, o Carnaval de rua, dos blocos mais populares e acessíveis, está crescendo e se tornando cada vez mais democráticos, atraindo muitos foliões que não mais se sentem representados em algumas agremiações.
Os blocos de rua, que são a origem do Carnaval das escolas, estão retomando seu papel como centro das atenções por serem mais acessíveis, mais populares, mais comunitários, enfim, mais autênticos, representando verdadeiramente as comunidades e os bairros que os originaram. Além disso, os blocos de rua são mais inclusivos, permitindo que pessoas de todas as idades, classes sociais e origens participem da festa. Essa mudança é também um reflexo da sociedade brasileira, que está passando por uma transformação significativa. A crise econômica, a desigualdade social e a perda de identidade cultural estão levando as pessoas a buscarem novas formas de expressão e celebração.
O Carnaval de rua, dos blocos mais populares e acessíveis, está se tornando uma forma de resistência e de afirmação da identidade cultural brasileira. No entanto, é importante notar que essa mudança não é necessariamente ruim. O Carnaval de rua pode ser uma forma de revigorar a festa e de trazê-la de volta às suas raízes. Além disso, a inclusão e a diversidade que esses blocos representam são fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e inclusiva.
Não acredito, como muitos, que o Carnaval das escolas de samba esteja com os dias contados, muito pelo contrário, a presença de uma classe média, branca, bem nutrida, vinda das academias, das escolas de dança, só mostra uma mudança de público e desfilantes na avenida, e esse público tem e está a fim de gastar, como já o faz há muito tempo, nos camarotes refrigerados da avenida. Quanto ao povão das comunidades, irá voltar para as ruas, e tudo se acertando, como no início do século passado, quando a festa começou e alguns negros, que já não estão mais entre nós, ousaram criar as escolas de samba, em que todos do bairro podiam participar. Não por acaso, a maioria das escolas criadas naquele tempo levava o nome do bairro.
Enfim, o que talvez estejamos assistindo seja uma volta às origens dessa festa, em que a exclusão racial, econômica esocial era bem demarcada. E hoje essa demarcação, que começou pela direção das escolas, em que é quase inexistente a presença negra nas presidências, se estende agora ao público consumidor e fazedor e aos desfilantes dessa festa popular brasileira.