O novo mercado de Trabalho
Adir Alves dos Santos nasceu em Montes Claros, Minas Gerais, e começou a trabalhar desde cedo, engraxando ou entregando roupas em uma lavanderia. Dos 15 aos 21 anos, trabalhou no comércio. Chegou a São Paulo em 1977 e conseguiu emprego em uma fábrica metalúrgica em Diadema. Na época, não havia ainda no Brasil tanto desemprego. Um ano depois, foi trabalhar na Mercedes Benz do Brasil, em São Bernardo do Campo, na região do ABC (este mês ele completa 34 anos na mesma empresa). Sua militância política e sindical começou na igreja, ainda em Montes Claros, quando participava do grupo de jovens, atividade que deu sequência quando chegou a São Paulo. E não demorou muito para que Adir se interessasse pela vida partidária, militando no recém-criado Partido dos Trabalhadores (PT). Em 1987, entrou para a comissão de fábrica da Mercedes Benz e foi se educando no movimento sindical. Chegou à presidência do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) e atualmente preside a Central Única dos Trabalhadores (CUT), em São Paulo (paralelamente, Adir também é diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC). “Tenho muito orgulho da minha história, da minha caminhada e, hoje, estou aqui na presidência da CUT de São Paulo, cumprindo essa tarefa para qual me delegaram até maio de 2012”. Nesta entrevista, Adir fala com propriedade sobre o sindicalismo brasileiro, além dos desafios e da realidade dos afrodescendentes em um novo mercado de trabalho.
O senhor vem de uma geração de sindicalistas bastante combativos, como Lula e Vicentinho, um sindicalismo que desafiou a ditadura no Brasil.
Sim, e de uma época de muita transformação no Brasil, porque ainda estávamos na ditadura militar. O companheiro Lula, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, fez aquela reviravolta, ditando um novo sindicalismo no país através das grandes greves que ocorreram no ABC. Surgiram muitas lideranças! O companheiro Vicentinho, que trabalhava na Mercedes Benz junto comigo e também recém-chegado a São Paulo, se agregou ao sindicato dos metalúrgicos, foi ser da direção. Já o Jair Menegueli era trabalhador da Ford. O Luiz Marinho, que hoje é prefeito de São Bernardo do Campo, também surgiu na década de 1980, época em que surgiram muitas lideranças em função da conjuntura.
Seu diferencial foi ter presidido o DIEESE. Fale
dessa experiência.
Tive oportunidade de ser indicado pelo sindicato para a direção do DIEESE e, como lá existe um rodízio entre as centrais sindicais, pela CUT eu fui presidente do DIEESE pela CUT. Na época, também assumi a presidência da Federação dos Metalúrgicos da CUT.
Em sua gestão, o DIEESE fez uma pesquisa fundamental sobre a discriminação no mercado de trabalho, mostrando as diferenças salariais entre negros e brancos.
O DIEESE é uma instituição que trabalha com pesquisa, informação e negociação coletiva. Foi encomendado que nós fizéssemos a pesquisa para saber qual era o comportamento do negro e da negra no mercado de trabalho. A instituição se capacitou muito para essa questão e foi feito um mapa do negro no mercado de trabalho em relação às condições de trabalho, saúde e salário. Depois disso, nós não paramos mais! Essa pesquisa vem sendo atualizada todos os anos e é fundamental para sabermos onde estão o negro e a negra no mercado de trabalho no Brasil.
E onde nos encontramos nesse mapa?
A gente percebe que existe uma necessidade muito grande de evoluir, não só na questão dos direitos. Temos percebido, ao longo desses últimos nove anos, a importância que tem sido dada para a questão do negro no mercado de trabalho, porém, ainda existe uma dificuldade muito grande. A sociedade ainda vê o negro como objeto, muitas vezes, como uma categoria de segunda classe, e isso tem um reflexo direto na vida das pessoas.
Dê um exemplo.
A ascensão profissional nos meios de comunicação e nos bancos, por exemplo, em funções estratégicas e bem remuneradas. São poucos que ocupam esse espaço. Mesmo com o Estatuto de Igualdade Racial – reconhecido e promulgado no governo Lula – há dificuldade de ser implementado em sua totalidade, Hoje, no Brasil, somos mais de 90 milhões afrodescendentes, mas a sociedade ainda não vê assim. É uma caminhada, e nós estamos apostando, acreditando que, ao debater esse tema e fazer gestos concretos, uma disseminação pelo país estará avançando, ainda que lentamente, para o reconhecimento da igualdade racial.
Na prática, a diferença salarial entre negros e brancos no Brasil ainda é muito grande?
É enorme! As pesquisas mostram que as mulheres ganham 30% a menos que os homens, exercendo a mesma função. Se for negro, isso passa para 50%. E se for mulher, negra e pobre, certamente essa diferença chega a 70%. Para o homem negro, a média salarial é menor que a média salarial da mulher branca. Se for negro, homem e pobre, ele tem uma defasagem em relação à mulher branca e ao homem branco.
A questão do negro no mercado de trabalho tem que ser vista de uma forma muito diferente do que é hoje no Brasil. Você entra em um banco, por exemplo, e dificilmente irá ver um bancário ou bancária negros em cargo de gerente. É assim também em escolas e empresas multinacionais, enfim, está muito claro e evidente, temos muito ainda o que fazer para sermos reconhecidos como seres humanos inteligentes, não levando em consideração a questão da camada de melanina que está na pele das pessoas.
Esse foi um dos debates do 1° de maio de 2011, chamando países africanos para discutir a questão do trabalho.
Eu precisava reunir algumas pessoas, algumas cidades, alguns estados ou países para discutir essa questão: qual a nossa verdadeira identidade? Eu vi essa oportunidade em 2011, porque tínhamos feito em 2010 um 1° de maio latino-americano. Aí, pensei: por que não fazer Brasil e África para resgatarmos a nossa história? A partir dessa ideia, fomos organizar o 1° de maio de 2011 e pensamos em convidar os países africanos que têm relação com a CUT, principalmente os países de língua portuguesa, para debater e refletir a nossa origem. Tivemos uma semana inteira de atividades: oficinas, seminários, mostra de cinema, manifestações culturais e um ato com religiões de matriz africana que nos orgulha muito. Até então, tínhamos dificuldades para enxergar o que tem no Brasil que advém da cultura africana.
E qual foi o resultado?
Resgatei um pouco do meu sonho que, talvez, não seja tão consciente como o das pessoas, mas foi uma oportunidade que tive para organizar aquilo que eu tanto gostaria de ver um dia, ou seja, movimento sindical debatendo cultura, esporte e lazer, mais refletindo de onde vem tudo isso, de onde vem a cultura brasileira, a nossa identidade. Penso que foi fundamental para a Central Única dos Trabalhadores refletir sobre sua verdadeira identidade. A CUT é uma central sindical que luta, que organiza, que mobiliza e que negocia, mas que também é solidária e conivente com essa história.
No início dos anos 1980, havia certa dificuldade em discutir a questão racial dentro dos sindicatos. Depois, ela foi incorporada a muitas categorias. E hoje, como está a discussão racial no meio sindical?
Veja bem, no início da década de 1980 a pauta era outra, era por liberdade e democracia. Precisávamos retornar o nosso direito, o nosso espaço de debate, dialogar, propor e participar. Com o decorre do tempo, fomos percebendo que estávamos vencendo essa etapa, a etapa da democracia. Em 1985, voltou a liberdade de expressão e, nessa caminhada, fomos descobrindo que só isso não bastava, era preciso reconhecer os direitos e os movimentos sociais, era preciso discutir outra pauta, a de inclusão social e nos deparamos com a questão do negro no mercado de trabalho.
Atualmente, como está a relação entre sindicato e movimento social negro?
Existe uma consciência muito maior, que o Governo Federal também provocou com o reconhecimento do Estatuto da Igualdade Racial, que propôs que nós, negros e negras, temos que fazer valer os nossos direitos.
Quando foi criada a lei 10.639, teve uma repercussão negativa na sociedade, porque ela acha que não deve ter essa disciplina nas escolas, incluir a história da África, dos negros e negras que construíram esse país. Não foi uma lei muito bem aceita, tanto que hoje ela ainda não está implementada. Mas esperamos que, em um período próximo, a gente tenha a lei implementada nas escolas como uma disciplina curricular e ter aí um reconhecimento, sem precisar de cotas. Termos direitos e oportunidades para homens e mulheres nas universidades, nos espaços políticos, nos meios de comunicação…
Como primeiro presidente afrodescendente do DIEESE, o senhor sofreu discriminação?
No DIEESE, entidade que reúne as centrais sindicais, eu não tive dificuldade para circular no meio por ser negro. Acho que o movimento sindical brasileiro, por mais dificuldade que tenha, não coloca como entrave a questão racial. Na CUT também não, porque somos uma central sindical plural e que tem em sua agenda a questão racial, inclusive uma secretaria de combate ao racismo. O problema é quando você vai para fora… Já tive exemplos assim, ser convidado para um debate em certos lugares e, quando cheguei, não me aceitaram, não me viram como debatedor, não me receberam como um palestrante, achavam que eu era o motorista!
E em uma negociação no setor empresarial, na Fiesp, por exemplo, como lhe encararam?
Pode ser negro, pode ser pobre, não tem problema. O problema é quando você tem que debater com o empresário que não pensa na sua capacidade, na sua inteligência e na sua condição de representante. Passa um clima de diminuição se é trabalhador, se é negro e menos favorecido intelectualmente. Mas, às vezes, o empresariado se surpreende e passa a te tratar diferentemente. Pensam assim: “A esse vale a pena dar atenção.” Mas primeiro é preciso provar isso.
Como o senhor enxerga o futuro do trabalho com todas essas novas tecnologias?
O mundo do trabalho vem mudando de forma muito acelerada. Hoje, o trabalhador brasileiro precisa desenvolver o seu lado intelectual, não é mais a força bruta, não é mais a força física. E, ao exigir do trabalhador esse desenvolvimento intelectual, ele precisa de capacitação e, muitas vezes, as empresas não estão dispostas a investir.
Se o governo não tiver a visão de investir na mão de obra qualificada, na capacitação dos trabalhadores, vamos perder a capacidade de disputa no mercado de trabalho e vai sobrar pra aqueles menos qualificados, os mais excluídos, uma categoria de terceira, quarta importância. Hoje o mercado de trabalho exige essa mão de obra qualificada e nós precisamos fazer esse forte debate na sociedade.
Mas o investimento inicial não tem que ser em educação pública de qualidade?
Sim! O governo precisa investir nisso, mas as empresas também precisam investir, porque eu não posso trabalhar numa determinada empresa e receber a qualificação só para aquele tipo de mão de obra. E se amanhã eu ficar desempregado? Se não tiver outra qualificação, não vou consegui voltar para o mercado de trabalho. O grande desafio é estar nesse perfil que o mercado de trabalho exige. Por outro lado, o movimento sindical tem um desafio muito grande, que é se preparar, capacitar e conviver com essa nova mão de obra, que é qualificada. Se o dirigente sindical destoar desse perfil do novo trabalhador, ele vai ficar falando sozinho. É preciso que se caminhe no mesmo passo e isso também exige do movimento sindical uma capacitação, um aperfeiçoamento e um investimento em informação.
E em relação às disputas com os mercados emergentes onde os trabalhadores têm direitos, salários e conquistas bem diferentes das nossas?
Você tem que estar a todo o momento olhando esse movimento. O mercado de trabalho no Brasil e no mundo, para onde eles caminham? Quem compete conosco? Quem disputa com o Brasil? Não temos condições de competir com eles, então, você tem que estar sempre ligado. E as condições de vida, de saúde, de educação e de moradia têm que estar interligadas.