O tempo passa. O corpo muda. As prioridades mudam. Mas, para muita gente no Brasil, uma coisa continua igual: a necessidade de trabalhar, mesmo depois dos 60 anos. E esse cenário é ainda mais comum quando falamos da população negra.
Um estudo do Cebrap, feito em parceria com o Desafio Longeviver, mostrou que pessoas negras com 60 anos ou mais seguem trabalhando em maior número do que pessoas brancas na mesma faixa etária. A princípio, pode parecer que se trata apenas de disposição ou força de vontade — mas, na verdade, esse dado escancara algo muito mais profundo: a desigualdade histórica que atravessa toda a vida e não dá trégua nem na velhice.
Durante décadas, pessoas negras enfrentam piores condições de trabalho, menor acesso à educação, salários mais baixos e menos oportunidades. Chegar aos 60 anos, nesse contexto, não significa conquistar o descanso. Significa, muitas vezes, seguir batalhando para pagar as contas, ajudar a família ou até garantir o próprio sustento, porque a aposentadoria — quando existe — mal dá para o básico.
O estudo usou dados da PNAD Contínua, do IBGE, entre 2012 e 2023, e revelou que, mesmo considerando fatores como escolaridade, renda e local de moradia, os idosos negros ainda são mais ativos no mercado de trabalho do que os brancos. E isso diz muito sobre o quanto a desigualdade no Brasil não termina com a juventude. Ela acumula. Ela pesa. E ela cansa.
Outro ponto importante é o impacto da pandemia. Entre 2020 e 2021, o número de pessoas idosas ativas caiu — como era esperado diante do cenário. Mas quem mais sofreu com isso foram, novamente, os negros. A diferença, que já era grande antes da pandemia, ficou menos visível nesse período, não porque houve mais equidade, mas porque a população negra foi mais afetada e perdeu mais espaço. Em 2023, a desigualdade voltou a aparecer com clareza.
O lugar onde se vive também faz diferença. Em áreas rurais, pessoas idosas — negras e brancas — tendem a seguir trabalhando por mais tempo. Mas nas cidades grandes, principalmente nas metrópoles, o recorte racial salta aos olhos: é muito mais comum ver idosos negros ainda na ativa do que brancos.
Esse estudo deixa uma mensagem clara: enquanto algumas pessoas conseguem escolher quando e como querem parar de trabalhar, outras simplesmente não têm essa escolha. E no Brasil, essa diferença tem cor.
Envelhecer com dignidade deveria ser um direito. Mas hoje, ainda é um privilégio. E isso precisa mudar.