O terceiro capítulo do Documento Base para a Conferência da Igualdade Racial, trata sobre a principal agenda política do movimento negro brasileiro – a reparação. Neste sentido, é bom lembrar que a reparação tem sido o grande calcanhar de Aquiles das políticas públicas de promoção da igualdade racial no mundo.
Seja por conta da resistência dos setores conservadores da sociedade, em particular das elites neocoloniais, que se recusam a assumir suas responsabilidades diante dos crimes de lesa humanidade cometidos. Seja pela escassez de recursos financeiros alocados para a adoção das medidas reparatórias, o fato é que as dificuldades são enormes para se tirar do papel as propostas de reparação.
No Brasil não tem sido diferente, apesar de estar no radar do movimento negro, desde o ano de 2001, quando da realização a III Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, na África do Sul, ainda assim as fragilidades são enormes, até os dias atuais.
As políticas de ações afirmativas adotadas nos dois primeiros anos do Governo Lula, (fruto da articulação e mobilização do movimento negro) como parte das medidas reparatórias, foram de grande importância, mas perderam força no governo subsequente (Presidente Dilma) e foram destroçadas nos governos seguintes (Temer e Bolsonaro).
Importante lembrar, que tanto a Lei 10.639/2003 para o ensino fundamental quanto a Lei de Cotas para o ensino superior (Lei nº 12.711/2012), ambas no campo educacional, são até hoje as grandes referências de política reparatória no Brasil.
Por isso mesmo, tratar do tema da reparação no cenário atual, além de delicado, é fundamental que a situemos no cenário político/econômico que o país está vivendo, para não apontarmos caminhos irreais e/ou fictícios na promoção da igualdade racial.
Aliás, esta é a primeira grande lacuna do documento base publicado pelo Conselho. O tratamento dado a Reparação é quase protocolar, não está assentado numa leitura da realidade, não dialoga com as forças políticas, nem aponta para a necessidade básica de uma política reparatória que é um orçamento condizente com o tamanho dos desafios.
Dois pontos chamam a atenção pela fragilidade da abordagem: o primeiro é o ODS 18 (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável). Em que pese ser louvável a iniciativa do governo brasileiro em assumir voluntariamente esse objetivo, as metas e indicadores continuam como meras referências conceituais: agendas de desenvolvimento sustentável que não possuam indicadores como elemento central, perde de vista o essencial do conteúdo e da sua própria funcionalidade.
O segundo ponto, diz respeito a proposta de “política tributária para populações negras, povos indígenas, quilombolas e povos ciganos”. Para além dos indicativos de leituras, não há no documento qualquer alusão de como se daria o recorte racial dessa política. É visível que a proposta está desconectada da realidade e até mesmo dos esforços gigantescos que o governo federal vem fazendo, por meio do Ministro Haddad, para aprovar a isenção de imposto de renda para quem ganha até 5.000 mil reais.
Enquanto isso, cresce de forma assustadora a matança da juventude negra, inclusive em estados governados por setores progressistas, sem que haja qualquer indicativo de reparação para a família desses jovens, que além de perderem seus entes queridos, muitas vezes perdem também a sua sustentação econômica.
No mais, o documento elenca um conjunto imenso de dimensões reparatórias que sem um eixo condutor de quais são as prioridades e que metas pretende-se alcançar, assim como de onde virão os recursos, não passarão de um amontoado de boas intenções sem qualquer efetividade.
Enfim, esperemos que a Conferência, não só possa corrigir esses equívocos, bem como apontar caminhos para soluções concretas das necessidades da população negra.
Toca a zabumba que a terra é nossa!