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Combate ao trabalho escravo, uma responsabilidade coletiva e compartilhada

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lucio-vicente

Formado em Comunicação Social pós-graduado em Gestão de Marketing, especialista em Socioeconomia e MBA em Economia e Gestão do Agronegócio. Diretor geral do Instituto Akatu. Coautor do livro ‘O Encontro com a Sustentabilidade: Contribuições do Psicodrama’.

O trabalho análogo à escravidão ainda é uma ferida aberta no Brasil. Em 2024, foram registrados quase 4 mil casos de pessoas resgatadas em condições degradantes, em atividades que vão do trabalho doméstico à produção de alimentos e grandes eventos culturais.


Essa execrável prática, inserida há séculos nos meios de produção, não se restringe a alguns setores, pois atinge desde pequenas propriedades rurais até cadeias de fornecimento globais, como denunciado em processos que envolvem grandes marcas de café, por exemplo. A realidade é que, no mundo de hoje, empresas — sejam grandes, médias, pequenas ou empreendedores individuais — não podem mais alegar desconhecimento ou neutralidade diante desse problema.

A produção responsável, aliada ao consumo consciente, vem se tornando pauta relevante para empresas, consumidores e investidores, e exige que todas as empresas assumam responsabilidade ativa por suas cadeias de produção e fornecimento. Não basta apenas olhar para o próprio negócio: é preciso garantir que toda a rede de fornecedores atue em conformidade com princípios básicos de dignidade humana, justiça social e respeito aos direitos trabalhistas. O custo baixo do presente quase sempre representa risco e pode custar caro no futuro — em reputação, em valor de marca e, mais importante, em vidas humanas.

Casos recentes ilustram essa urgência. De festivais musicais, onde trabalhadores terceirizados foram identificados em condições análogas à escravidão, expondo como grandes eventos, mesmo quando terceirizam serviços, são responsáveis diretos pelas violações, até denúncias sobre condições de trabalho em granjas, varejistas, carvoarias e fazendas de café, evidenciam que práticas de exploração continuam permeando atividades produtivas cotidianas, muitas vezes invisíveis ao consumidor final. Dados do Ministério do Trabalho e Emprego mostram que, desde 1995, quando o Brasil reconheceu a persistência do trabalho escravo em seu território, mais de 65 mil pessoas foram resgatadas de situações degradantes, sendo que o saldo de casos registrados nos últimos 5 anos representou 16% desse total. Diferente do que se pode pensar, é importante dizer que o “crescimento dos registros” se dá pela maior visibilidade e fiscalização e por uma agenda de maior transparência para a sociedade.

Essa realidade impõe uma mudança profunda de mentalidade, especialmente entre pequenos, médios empresários e empreendedores que estão estruturando seus negócios. Historicamente, a responsabilidade pela cadeia de valor foi vista como um “problema das grandes corporações”. Hoje, esse paradigma não se sustenta mais. Cada empresa, independentemente do porte, de uma multinacional a uma cafeteria, precisa compreender que sua escolha de fornecedores e as condições de trabalho de todos os seres humanos ligados ao seu negócio fazem parte de sua responsabilidade.

Essa responsabilidade deve ser compartilhada, por isso, algumas atitudes são extremamente necessárias para mitigar riscos, como:

No caso dos empreendedores e empresas, é necessário exigir em contrato evidências de boas práticas dos fornecedores, incluindo documentos que comprovem regularidade trabalhista, condições adequadas de alojamento, segurança no trabalho e respeito aos direitos humanos; solicitar metas de inclusão de grupos minorizados em oportunidades (mulheres, pessoas negras, LGBTQIAPN+) como parte dos critérios de avaliação de parceiros; estabelecer cláusulas contratuais específicas que prevejam a fiscalização periódica do cumprimento dos direitos trabalhistas; publicar relatórios de transparência, informando o compromisso da empresa com práticas éticas e os resultados de suas auditorias na cadeia de fornecedores; romper relações comerciais com fornecedores que não comprovem a adoção de práticas dignas e sustentáveis.

Empreender em tempos modernos não é apenas vender um produto ou serviço: é construir uma reputação, gerar impacto positivo e contribuir para um mercado mais justo e sustentável. Em vez de olhar apenas para o custo final da mercadoria ou da contratação, o empreendedor precisa avaliar o valor real de seus parceiros, considerando que cada produto carrega uma história — e que histórias de abuso e exploração não podem mais fazer parte da construção de negócios.

Erradicar o trabalho análogo à escravidão é uma tarefa coletiva, pois existem várias novas maneiras de se estabelecer situações indignas de trabalho. Grandes, médias, pequenas empresas e microempreendedores têm seu papel nesse esforço. O dever de vigilância presente na escolha e no acompanhamento de cada fornecedor e etapas do sistema produtivo é fundamental para a erradicação da escravidão contemporânea e o fim da perpetuação silenciosa de uma das maiores vergonhas da história da humanidade.

[Os textos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da Revista Raça].

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