Revista Raça Brasil

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Montanhas, pregações e CPI: Quando ser branco é passaporte para o absurdo

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Hamalli Alcântara

Vice-presidente do Grupo Raça Comunicações. Responsável pelo processo de criação, realização e edição da Revista Raça Brasil. Administra os recursos técnicos, artísticos e administrativos dos principais projetos do Grupo Raça Brasil: Revista, Área Digital e Fórum Brasil Diverso.

Há algo de profundamente estranho em observar o mundo da elite branca brasileira. Por exemplo: Um punhado de homens milionários, decidem subir a tal montanha para reaprender valores que, honestamente, deveriam ter sido absorvidos na infância: “não traia sua esposa”, “cuide da sua família”, “seja um homem melhor”. Cada um desembolsa cerca de R$ 60 mil para viver essa epifania guiada por coaches e gurus do sucesso. Ao descerem, dão entrevistas emocionadas como se tivessem descoberto o sentido da vida — e ganham manchetes por isso.

Enquanto isso, um pastor mirim cobra mais de R$ 20 mil por uma pregação. Uma criança, cercada de luxo, que entoa palavras de fé que nem entende completamente, e que se tornou uma celebridade gospel. Do outro lado, adolescentes mimadas que viram pauta de entretenimento por brigarem entre si, como se fossem personagens de uma novela adolescente patrocinada pelo privilégio. E temos também Virgínia, influenciadora bilionária que vai depor numa CPI — que deveria ser espaço de seriedade e responsabilidade — e acaba sendo tietada como se estivesse numa convenção de fãs, não numa audiência pública.

Isso que eu não vou nem falar sobre as mães de boneca!

Sabe o que une essas situações? Todas envolvem pessoas brancas. Pessoas brancas com dinheiro. Pessoas brancas com acesso, com visibilidade, com o tipo de liberdade que sequer flerta com o nosso cotidiano.

A participação de negros nesse mundo é mínima. Alguns dizem que é por falta de dinheiro. E sim, é verdade, não temos, em sua maioria, esse poder aquisitivo. Mas a real é que não se trata só disso. É porque nós, negros, entendemos — consciente ou inconscientemente — que não pertencemos a esse espetáculo. Que esse circo não foi montado para nós.

Quando um negro consegue chegar à elite, quando ele vence a corrida de obstáculos do racismo estrutural, da falta de oportunidade, da violência e da invisibilidade, ele valoriza cada centavo. Cada passo. Cada conquista. E, mais do que isso, sente orgulho de não fazer parte desse teatro ridículo onde gente rica compra espiritualidade, se fantasia de humildade e é aplaudida por ser “mais humana” depois de gastar o que muitas famílias negras não ganham em anos.

A gente não precisa subir montanha para lembrar o valor da fidelidade. A gente não precisa de holofote para se tornar relevante. E a gente certamente não precisa de plateia para fazer aquilo que é certo.

Você não é todo mundo. Ou melhor: você não é branco. E, nesse país, isso muda tudo. Mas saber disso, reconhecer isso, também é o primeiro passo para sair da arquibancada. Porque nossa história é maior do que palhaço de circo — e nosso papel aqui é muito mais digno do que bater palma para um show que nunca foi feito para nós.

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