Revista Raça Brasil

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Homem negro em sessão de terapia (gerado por I.A)

Por que homens negros evitam a terapia?

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Rachel Quintiliano

Editora do Portal Raça. Jornalista e escritora com quase 30 anos de experiência, tanto na comunicação corporativa quanto da imprensa, especialmente imprensa negra. Autora do livro ‘Negra percepção: sobre mim e nós na pandemia’. É responsável por planejar os conteúdos do portal, assegurando a linha editorial e estratégia narrativa do grupo RAÇA.

Entrevista com psicóloga revela temas recorrentes nos atendimentos e a importância do acolhimento racializado

 

Por que tantos homens negros evitam a terapia? O que os impede de buscar ajuda psicológica, mesmo diante do sofrimento? Em entrevista ao site da RAÇA, a psicóloga Elizabete Santos revela que o silêncio emocional entre homens negros não é individual, mas estrutural — fruto de uma sociedade que os cobra força constante, nega sua vulnerabilidade e restringe o acesso ao cuidado.

Elizabete Santos é psicóloga clínica, com especialização em Psicologia Social e em Sexologia. Atua com foco na população negra em diversas partes do mundo, a partir de uma escuta interseccional que considera raça, gênero, classe e espiritualidade. Já trabalhou em escolas públicas e projetos comunitários de saúde mental e, atualmente, é diretora do pilar de Juventude da FUNAFRO, onde desenvolve ações voltadas ao cuidado, à formação e à empregabilidade de jovens negros.

Nesta conversa, ela analisa as raízes históricas dessa resistência ao cuidado, denuncia a falta de políticas públicas para a saúde mental da população negra e aponta caminhos para a construção de referências masculinas mais humanas e possíveis.

Os homens negros realmente têm mais dificuldade de entender que saúde mental é importante?


Sim, e isso tem raízes históricas e estruturais profundas. Os homens negros foram ensinados a sobreviver, não a se escutar. A sociedade os cobra para que sejam provedores, fortes, viris, impenetráveis emocionalmente – o que muitas vezes os impede de reconhecer suas dores. Quando falamos de saúde mental para homens negros, estamos falando de um convite à humanidade em um sistema que, historicamente, os desumaniza.

Por que eles ainda têm dificuldade em buscar terapia? Isso tem a ver com o gênero e com a raça?


Tem tudo a ver. Ser homem e ser negro no Brasil é viver sob múltiplas pressões: a de ser provedor, a de não falhar, a de ser desejável e potente sexualmente, a de não demonstrar fraqueza. Isso se agrava com a realidade da pouca escolaridade em muitos casos, do uso abusivo de álcool e drogas como forma de escape, e do medo de ser visto como “fraco” ou até “louco” por procurar ajuda psicológica. Além disso, o acesso à terapia ainda é um obstáculo real – o valor das sessões muitas vezes é incompatível com a renda de muitos homens negros, e ainda falta uma política pública que ofereça suporte psicológico contínuo e de qualidade para essa população.

A partir da sua experiência e das redes de terapeutas que você participa, você percebe uma mudança?


Sim, especialmente após a pandemia, que escancarou muitas fragilidades emocionais. A crise sanitária foi um divisor de águas: muitos homens negros passaram a buscar ajuda, alguns pela primeira vez. Eles chegaram mais abertos ao diálogo sobre saúde mental, muitos motivados por perdas, pelo medo da morte ou pelo acúmulo de dores antigas que vieram à tona.

Além disso, têm surgido muitos grupos de homens negros discutindo masculinidades de forma crítica e afetiva. Conheço grupos potentes em São Paulo, Salvador, Rio de Janeiro… esses espaços promovem escuta, acolhimento e reconstrução de referências masculinas mais humanas e possíveis.

Quais são os principais temas ou questões que os homens negros levam para a terapia?


Solidão, medo da morte violenta, pressão financeira, racismo no trabalho, abandono e os efeitos emocionais disso, dependência química, insegurança quanto à sexualidade e desempenho sexual (muito influenciada pela hiperssexualização do corpo negro), dificuldade em expressar sentimentos e formar vínculos afetivos, sentimento de inadequação no mundo, baixa autoestima.

Muitos falam da ausência do pai como uma dor antiga, que impacta diretamente na forma como se relacionam com seus próprios filhos, com o afeto e até com sua autoimagem como homens. Ao mesmo tempo, vejo crescer o desejo de se reconectar com suas raízes, de construir relações mais afetivas e de educar os filhos de outra forma – com mais presença, cuidado e escuta.

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