Revista Raça Brasil

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O que significa se identificar como negro no Brasil?

“Qual é a sua cor?”, essa pergunta, que parece simples, pode carregar uma carga enorme de identidade, história e até dor.

No Brasil, onde vivemos uma herança marcada pela escravidão, miscigenação e racismo estrutural, muitos ainda têm dúvidas (ou enfrentam julgamentos) ao se autodeclarar como negro, preto ou pardo. E isso nem sempre é uma escolha fácil ou respeitada.

Em janeiro deste ano, por exemplo, o militante do movimento negro Gustavo Amora precisou entrar na Justiça para conseguir disputar as vagas reservadas para pessoas negras no Concurso Nacional Unificado (CNU), após ter sua autodeclaração contestada. E aí surge a pergunta: quem define a cor de alguém?

O que diz o IBGE?

De forma oficial, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) — responsável pelo Censo — afirma que cada pessoa tem o direito de se identificar como quiser, sem ser questionada. Em outras palavras: a autodeclaração é soberana.

Na prática, porém, a realidade pode ser outra. Muitas vezes, as pessoas são colocadas em dúvida, julgadas pela aparência ou não compreendidas quando sua identidade racial não corresponde ao que os outros esperam.

Afinal, o que significam os termos?

Pardo
Esse é, talvez, o termo mais complicado. Ele passou por várias mudanças ao longo das décadas. Nos anos 1980, por exemplo, o IBGE passou a usar “pardo” para quem não se identificava como branco, preto ou amarelo.

Hoje, ele se refere a pessoas que se veem como resultado da mistura de duas ou mais raças (como branca, preta e indígena, por exemplo). Mas muitos se sentem perdidos com essa classificação — inclusive porque há quem se declare pardo, mas se reconheça como negro, e outros que se declaram pardos, mas se enxergam como brancos.

Preto
É a categoria usada para representar pessoas com ascendência africana. Ela está presente no Censo, e o termo costuma ser explicado pelos recenseadores quando o entrevistado pergunta. Ainda assim, para muita gente, “preto” é apenas uma cor — e é aí que entra o termo seguinte.

Negro
A palavra “negro” não está oficialmente no formulário do IBGE, mas é amplamente utilizada por movimentos sociais, acadêmicos e pelo Estatuto da Igualdade Racial. Segundo o Estatuto, “negros” são o conjunto de pessoas pretas e pardas.

Mas essa definição ainda é tema de debate. O pesquisador Denis Moura, autor do livro Pardos: a visão das pessoas pardas pelo Estado brasileiro, questiona essa generalização:

“Popularmente, quem se declara preto é o que a sociedade reconhece como negro. Os pardos sempre foram vistos como miscigenados. Não concordo com essa soma automática.”

E os dados mostram essa complexidade. Em uma pesquisa do Datafolha de 2024, 60% das pessoas que se dizem pardas afirmaram não se considerar negras. Já entre quem se declara preto, 96% se veem como negros.

Mais do que estatística, é sobre pertencimento

A identidade racial não é uma equação matemática. Ela envolve a forma como você se vê, como os outros te veem e como a sociedade te trata.

E esse tema tem impacto direto na vida das pessoas. Isso porque muitas políticas públicas e ações afirmativas usam esses critérios de autodeclaração racial para garantir acesso a oportunidades de estudo, trabalho e reparação histórica.

O Censo mais recente revelou mudanças importantes:

  • 45,3% dos brasileiros se declararam pardos — esse grupo ultrapassou, pela primeira vez, os brancos, que representam 43,5%.

  • 10,2% se declararam pretos, e 0,8% se identificaram como indígenas.

Ou seja, a forma como a população se enxerga também está mudando. E isso importa. Importa para as políticas públicas, para os debates sobre racismo e, principalmente, para que cada pessoa possa se reconhecer e ser reconhecida com respeito, dignidade e verdade.

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