Revista Raça Brasil

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Sítios arqueológicos negros revelam silêncio históricos

Em meio ao barulho das máquinas e ao concreto das grandes cidades, ecos do passado têm rompido o silêncio. Eles vêm da terra. Daquilo que foi soterrado — não por acaso, mas por escolha. Em São Paulo e Salvador, escavações recentes não revelaram apenas objetos antigos, mas testemunhos de dor, fé, resistência e apagamento.

No coração do Bixiga, uma história que já era sabida

Quem caminha pelo bairro do Bixiga, em São Paulo, talvez não imagine que, sob os pés, descansa um pedaço vivo da história negra brasileira. Durante obras do Metrô, arqueólogos encontraram mais de 90 mil peças — contas, cerâmicas, instrumentos religiosos. Mas quem vive ali já sabia: aquela terra carrega a memória de um quilombo.

O que hoje se confirma como Sítio Arqueológico Quilombo Saracura Vai-Vai não surpreende a comunidade. Há décadas, moradores falam sobre isso. As raízes do samba, do candomblé, da luta por espaço e dignidade brotam daquele chão.

Mesmo assim, o reconhecimento oficial foi tímido. Sem nota pública, sem espaço nos noticiários em destaque. Foi a população que deu voz ao que a terra gritava, por meio do Movimento Mobiliza Saracura Vai-Vai, que cobra não só respeito à memória ancestral, mas também medidas reparatórias diante de mais um apagamento.

Em Salvador, um cemitério de silêncios

Enquanto isso, em Salvador, uma descoberta ainda mais brutal: ossadas de até 100 mil pessoas negras sob o solo da Pupileira, no bairro de Nazaré. Durante muito tempo, ali funcionou um cemitério para enterrar escravizados, doentes, rebeldes e indigentes — tudo à margem da dignidade.

Por trás de uma área hoje ocupada por uma faculdade e eventos de luxo, está o que foi o Cemitério do Campo da Pólvora, ativo entre os séculos XVIII e XIX. Os corpos eram enterrados sem qualquer respeito, jogados em valas comuns, expostos à decomposição e à humilhação.

A confirmação da localização exata do cemitério só veio graças à pesquisa incansável de Silvana Olivieri, que cruzou mapas antigos com registros históricos. Em maio de 2025, escavações foram iniciadas com um ato inter-religioso, marcando um momento simbólico de escuta, reverência e busca por justiça.

Memória que não se cala

Tanto em São Paulo quanto em Salvador, a arqueologia tem feito o papel que a história oficial por muito tempo se recusou a cumprir: mostrar que houve resistência, espiritualidade, cultura — mesmo nos piores contextos. Mostrar que houve vida.

Mas o mais forte desses episódios é a pergunta que eles levantam: por que essa memória ainda precisa lutar tanto para ser reconhecida?

Por que o Brasil insiste em negar sua origem negra e o peso do racismo estrutural que atravessa o tempo?

Essas descobertas são mais do que eventos pontuais. São alertas. Sinais de que não há como avançar sem escutar o passado. Sem reconhecer os erros. Sem dar nomes aos mortos. Sem devolver dignidade às histórias que foram soterradas.

A terra falou. Agora é com a gente.

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