Por Rodrigo Padilha – Advogado Trabalhista PMR Advocacia
O título é uma adaptação de uma frase do sambista Beto sem Braço e nos ajuda a entender a importância da cultura. A escola de samba Portela anunciou que o enredo para o próximo carnaval será a vida do Príncipe Custódio, que vindo do Benin, aporta na Porto Alegre do final do Século XIX e transforma-se numa figura ímpar daquela sociedade, introduzindo sua cultura e religiosidade que amalgamada com os demais africanos vítimas da diáspora presentes no Rio Grande do Sul acabam por criar uma característica diferenciada sobre toda a temática de influência negra quando se comparada ao restante do Brasil.
O enredo serve para acabar com a imagem de que o estado mais ao sul do país é somente um local onde a cultura europeia está presente. O fato de parte da nação acreditar na inexistência de negros no Rio Grande do Sul não se dá por mera obra do acaso. Com o fim da escravidão iniciou-se um processo de embranquecimento da população brasileira por parte dos governantes da recente república com a promoção e facilitação da imigração europeia, sendo nos estados do sul onde tal politica foi mais eficiente.
E é nesse momento em que insere-se a juridicidade com que permitiu o apagamento da cultura afro no estado do Rio Grande Do Sul e circunvizinhos. As imigrações europeias prosperaram em parte com benesses de atos estatais que pretendiam naquele momento modificar o espectro da população brasileira, majoritariamente negra e descendente de escravizados.
Não por acaso, atualmente existe em certos setores da sociedade a errática ideia contrária à qualquer movimentação do Estado na promoção de cultura, como por exemplo a demonização da lei Rouanet.
A questão da interferência estatal na seara cultural por meio de suas políticas possui viés importantíssimo. A intervenção do estado deve ser no sentido de que a cultura tenha caminhos livres e plurais na sociedade, tal equilíbrio deve ser mantido no concernente ao momento em que a atuação política se faz necessária. Como exposto anteriormente, existiu uma sequência de governos que utilizaram de suas políticas para impor uma cultura oficial à população. Essa prática vai ao encontro a todos os preceitos de democracia e pluralidade não somente atinentes à questão cultural, mas também no tocante a concepção de um Estado participativo como deve ser.
A mestre em direito constitucional Fabíola Bezerra expõe que as políticas culturais, enquanto ações devem sempre ser norteadas por diretrizes amplas:
“Importante frisar que a obrigação constitucional de desenvolver política pública própria impõe ao Estado o dever de seguir parâmetros democráticos, ou seja, estabelecer ação oficial não significa instituir uma cultura, impõe criar mecanismos que permitam o acesso de todos às fontes de cultura nacional – principalmente à massa da população – favorecer a livre procura das diversas manifestações, bem como prover meios para que a difusão cultural se baseie em critérios de igualdade, ou seja, estabelecer uma democracia cultural, onde todos possam manifestar as expressões”.1
A constituição de 1988 é veemente no caput do artigo 215, quando está exposto que umas das funções do Estado é salvaguardar a democracia cultural:
“O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”
José Afonso da Silva, constitucionalista, não desassocia as políticas culturais das demais ações governamentais:
“Em verdade, não se chegará à democratização da cultura desvinculada da democratização social e econômica. Há até quem diga – com razão – que ‘democratização da cultura será uma consequência lógica e natural da democratização social e econômica’”. 2
A citação também é útil para confirmar que a cultura e suas políticas não podem receber um tratamento de menor valor. Uma vez que são intrinsecamente ligadas aos mais diversos princípios previstos na carta magna nacional. Vale a ressalva no tocante à democratização cultural. O doutrinador acima citado faz menção a uma peculiaridade importante para o atingimento do patamar ideal na democracia cultural:
“Não virá senão quando a massa da população se encontrar incorporada à sociedade, pois essa extensão cultural só será possível a partir do momento em que a massa da população for aliviada do fardo do trabalho físico fatigante e possa assim dispor de lazer para a cultura”. 3
O Carnaval da cidade do Rio de Janeiro possui um forte aporte financeiro dos entes estatais e somente com essa “ajuda” e liberdade a criatividade de todos os agentes que fazem esse espetáculo pode aflorar, permitindo trazer à luz para todo o resto da nação importante tema que é a presença negra no Rio Grande Sul, com sua rica diversidade e força.
Referências:
1 Brasil, Fabíola Bezerra de Castro Alves. A importância do Fundo Nacional da Cultura para a efetivação do acesso à cultura / Fabíola Bezerra de Castro Alves Brasil. Dissertação ( mestrado) – Universidade de Fortaleza, 2010. P.82
2 Silva, José Afonso. Ordenação constitucional da cultura. São Paulo: Malheiros. P.210
3 Silva, José Afonso. Ordenação constitucional da cultura. São Paulo: Malheiros. P.210
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