Jéssica Vanderley, 33 anos, é daquelas pessoas que valorizam conexões reais. Pernambucana e apaixonada por boas conversas, ela entrou no Tinder esperando encontrar alguém com quem pudesse se identificar. Mas o que encontrou foi frustração. “A experiência foi péssima. Senti que aquele espaço não foi feito para mim, para pessoas negras como eu”, conta.
Ela lembra que, muitas vezes, as interações nem passavam de pedidos vazios: “Eu dizia oi e a pessoa já respondia pedindo uma foto”. Para Jéssica, as conversas eram rasas, e o pior: quem não era negro geralmente não compreendia — ou não fazia esforço para compreender — a realidade de uma mulher preta no Brasil. “Não tenho paciência para ensinar. O Google tá aí pra isso”, desabafa.
Foi então que o irmão dela sugeriu um outro caminho: o Denga Love, um aplicativo pensado para conectar pessoas negras de forma segura, acolhedora e com respeito. Jéssica topou tentar. E, em poucos dias, conheceu Luiz Adriano. Dois dias de conversa, uma semana para o primeiro encontro. Quatro meses depois, Jéssica estava grávida do pequeno Zack. “Nunca mais nos desgrudamos”, diz, com um sorriso na voz.
Um lugar onde o amor preto é bem-vindo
O Denga Love não surgiu por acaso. Foi criado por Fillipe Dornelas, um homem negro que também viveu na pele as dores do racismo nos apps de relacionamento. Comentários ofensivos sobre sua aparência, encontros atravessados por preconceito e a constante sensação de que precisava ser “aceito” por um sistema que não foi feito para ele. “Passei por muitas violências. E me perguntei: por que não sou procurado como meus amigos de pele clara?”, lembra.
Com esforço próprio, Fillipe juntou suas economias e decidiu criar algo diferente: um aplicativo feito por pessoas negras, para pessoas negras. Desde o nome — “Denga” vem do kikongo e significa afeto, carinho — até a estética e usabilidade, tudo foi pensado para criar um ambiente de pertencimento. E deu certo. Hoje, o app já tem mais de 200 mil usuários, com destaque para São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais.
Mas mesmo com os avisos claros, o aplicativo tem enfrentado um problema: o crescimento de usuários brancos que entram na plataforma. “É como se ignorassem os sinais. Mesmo dizendo que é um espaço para pessoas negras, eles entram assim mesmo. Isso também é uma forma de racismo”, desabafa Fillipe.
O racismo também mora nos algoritmos
Tanto Fillipe quanto Jéssica apontam algo comum: nos grandes apps, parece que pessoas negras têm menos visibilidade. “Aparece muito mais gente branca. É como se o algoritmo decidisse quem merece amor”, diz ela.
Segundo Fernanda Rodrigues, pesquisadora do Instituto IRIS, isso não é só percepção. Algoritmos não são neutros. Muitas vezes, eles aprendem com os padrões de comportamento dos próprios usuários — o que, num país onde o racismo é estrutural, acaba reforçando exclusões. “Se as pessoas curtem mais perfis de pessoas brancas, o sistema aprende isso e começa a priorizar esse padrão”, explica.
E mesmo que não haja uma intenção explícita, o efeito é o mesmo: pessoas negras ficam à margem, mesmo sendo maioria no Brasil.
O que diz o Tinder?
Procurado para comentar, o Tinder afirmou, em nota, que seu algoritmo não leva em consideração etnia ou classe social. A plataforma diz que as correspondências são baseadas em comportamento do usuário, interesses em comum e localização. E garante estar comprometida com o combate a qualquer forma de discriminação.
Mas, para quem vive essas experiências, o sentimento é outro.
Amar é resistir
Jéssica, Luiz e o pequeno Zack são prova de que o amor preto floresce quando encontra espaço para ser. “No Denga, me senti segura, respeitada, em casa. Encontrei alguém que me entende sem precisar explicar tudo”, conta Jéssica.
E esse é o sonho de Fillipe Dornelas: que mais pessoas negras possam se encontrar, se amar e se sentir livres para viver seus afetos — longe dos filtros e barreiras invisíveis que ainda insistem em dizer quem merece ser amado e quem não.