Em um país onde as marcas da escravidão ainda ecoam nas estruturas urbanas e sociais, iniciativas que devolvem à população negra o direito de contar e viver sua história nos próprios territórios ganham um significado profundo. É o caso do Concurso BNDES Pequena África, que premiou arquitetos negros com propostas de revitalização da zona portuária do Rio de Janeiro — região historicamente marcada pela dor, mas também pela resistência do povo preto.
Mais do que um concurso de urbanismo, a premiação reconhece a importância de olhar para a cidade com os olhos de quem, por séculos, foi silenciado. Ver profissionais negros desenhando os caminhos para um espaço como a Pequena África é reconhecer que nossa história não está enterrada: ela vive, pulsa e merece protagonismo. E quem melhor para projetar esse território do que aqueles que carregam, na pele e no saber, a memória que ele abriga?
Projetos como os apresentados no concurso não apenas pensam o espaço urbano, mas costuram cultura, espiritualidade e ancestralidade em cada traço. Eles não se limitam à estética — são proposições de justiça. É nesse cruzamento entre cidade e memória que se constrói uma reparação simbólica real.
A valorização de profissionais negros na arquitetura é, portanto, parte do processo de reimaginar o Brasil. Um país que ainda oferece poucas oportunidades a esses profissionais, mas que, pouco a pouco, começa a entender que diversidade é mais do que um conceito: é uma necessidade urgente para construir cidades que acolham, respeitem e representem todos os seus habitantes.
A Pequena África não é só um ponto no mapa. É um território de memória, luta e criação. E reconhecer sua importância é afirmar que a história preta deve ocupar lugar de destaque — nos livros, nas ruas, na cultura e, sobretudo, nas decisões sobre o futuro.