A aprovação da reforma do Imposto de Renda na Câmara acendeu um debate crucial sobre equidade: enquanto 90% dos contribuintes terão redução, os benefícios ainda favorecerão desproporcionalmente brancos. Dados da Oxfam revelam que, na faixa de R$ 3 mil a R$ 7 mil mensais – onde se concentram 44% de pretos e pardos e 41% de mulheres -, a isenção parcial mantém vícios históricos do sistema tributário. Mais de 20 organizações negras respondem com um manifesto que propõe revolucionar a fiscalidade brasileira: incluir autodeclaração racial na declaração do IR, medida já prevista no PL do Imposto Antirracista de Benedita da Silva.
O documento, disponível no site Justiça Econômica, denuncia a naturalização das desigualdades: no topo da pirâmide, os 0,15% que ganham acima de R$ 1,2 milhão/ano (majoritariamente homens brancos) concentram 14,1% da renda nacional – mais que os 50% mais pobres juntos. Apesar do aumento de alíquotas para essa elite, as entidades apontam que a reforma mantém privilégios ao taxar apenas parcialmente lucros e dividendos acima de R$ 50 mil por empresa.
A exigência por um campo racial no formulário do IR não é burocrática: trata-se de criar instrumentos para medir como cada política fiscal impacta diferentes grupos. “Sem dados desagregados por raça e gênero, perpetuamos um sistema cego às próprias injustiças”, argumenta o texto, que cita o modelo do IBGE como referência. Essa transparência permitiria, por exemplo, identificar se incentivos fiscais beneficiam predominantemente grupos já privilegiados.
O manifesto vai além da reforma em curso. Propõe revisar renúncias fiscais regressivas (como isenções para setores elitizados), garantir pisos constitucionais para saúde e educação, e vincular todo o sistema tributário a critérios de equidade. “Não basta aliviar o peso para alguns; é preciso redistribuir o fardo historicamente desigual”, defende uma das signatárias, lembrando que mulheres negras permanecem como base da pirâmide social.
A emenda ao PL 1087/2025 pede avaliações periódicas dos impactos raciais e de gênero das mudanças – mecanismo inspirado em experiências internacionais de orçamento sensível a desigualdades. Enquanto o Congresso debate a proposta, o movimento negro ressalta: justiça tributária exige mais que números absolutos; demanda enxergar quem paga a conta e quem segue isento nos interstícios do sistema.
Neste momento de reforma fiscal, o Brasil enfrenta uma escolha: reproduzir antigas assimetrias ou usar a tributação como ferramenta de reparação. Com 56% da população autodeclarada preta ou parda, a inclusão do quesito racial no IR seria não apenas um avanço técnico, mas um reconhecimento de que equidade começa quando o Estado enxerga as cores da desigualdade.