Os números frios do estudo do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) revelam um apartheid velado na academia brasileira: entre 1996 e 2021, enquanto brancos conquistaram 57,8% dos doutorados e 49,5% dos mestrados, pretos sequer alcançaram 5% dessas titulações. Essa disparidade se agrava quando observada a proporção por habitantes – para cada 100 mil pessoas, há quase três vezes mais mestres brancos (38,9) que pretos (21,4), abismo que se amplia no doutorado (14,5 brancos contra 5 negros). Os dados escancaram como a pós-graduação, longe de ser um espaço meritocrático, reproduz as mesmas hierarquias raciais que estruturam a sociedade brasileira.
O racismo acadêmico não se limita ao acesso. Mesmo após vencer as barreiras da titulação, pesquisadores negros enfrentam um mercado que desvaloriza seus diplomas. Em 2021, mestres pretos recebiam 13,6% menos que brancos com a mesma qualificação – diferença que persiste, ainda que atenuada (6,4%), no doutorado. “Os brancos concentram não apenas os títulos, mas os melhores vínculos empregatícios”, explica Sofia Daher, coordenadora do estudo, destacando como o racismo estrutural opera em todas as fases da carreira acadêmica.
A apresentação desses dados na 77ª Reunião da SBPC, em Recife, ganha contornos simbólicos. A cidade que foi um dos principais portos de entrada de africanos escravizados no Brasil hoje sedia o debate sobre como a ciência nacional continua excluindo os descendentes desses mesmos africanos. Os números dos indígenas são ainda mais alarmantes – apenas 0,3% dos doutorados em 25 anos -, revelando como o sistema acadêmico falha em contemplar a diversidade étnica do país.
Essas desigualdades não são acidentais, mas resultado de um sistema que naturalizou a branquitude como padrão de excelência. Enquanto pretos e pardos representam 55,5% da população, sua presença na produção de conhecimento científico permanece marginal. O estudo do CGEE, vinculado ao MCTI, surge como um alerta urgente: não haverá ciência de ponta no Brasil enquanto a academia mantiver seus portões fechados para a maioria da população.
As políticas de ações afirmativas, ainda insuficientes, mostram-se cada vez mais necessárias não apenas na graduação, mas em todos os níveis da carreira acadêmica. O desafio vai além de formar mestres e doutores negros – é preciso garantir que esses titulos tenham o mesmo valor no mercado de trabalho. Enquanto o país não enfrentar essa desigualdade estrutural, estaremos condenados a uma ciência que, mesmo quando excelente, será sempre excludente e incompleta.